No Brasil, mais de 12,4 milhões de pessoas sofrem com algum tipo de dependência química, o que afeta diretamente a forma de viver, como a psíquica e social. Nesse sentido, quando o colapso “chega”, é hora de buscar um tratamento eficaz, como a abstinência, para superar o flagelo das drogas e a falsa ilusão do prazer, sendo necessária a internação, por 90 dias, em uma clínica de reabilitação de forma voluntária, involuntária ou compulsória.
Hoje, com a fundação, em 2013, da Federação Brasileira das Clínicas Especializadas em Dependência Química (FEBRACI), o tratamento mudou e a fiscalização passou a ser atuante para garantir os direitos fundamentais previstos na Constituição e Legislações. E para explicar melhor sobre as mudanças, a Imagine Acredite entrevistou o fundador da FEBRACI, o Assistente Social Roberto Brunelli, pós-graduado em saúde coletiva e MBA em Direito Médico, que tem como missão salvar as vidas dos adictos com um novo estilo de vida. Atualmente, a entidade é presidida por Renata Brunelli.
“Em 2001, por causa do movimento antimanicomial, aconteceu o fechamento dos leitos de atendimento de internação psiquiátrica deixando a população da saúde mental desassistida e a maioria foi parar nas ruas, cracolândias ou estão nos presídios. Diante disso, instituições não adequadas para o atendimento médico começaram a atender a pedido da família e, com a omissão do Estado, essas unidades chegaram em 4 mil. Quando, em 2013, nós percebemos esse avanço, eu resolvi fundar uma Federação para levar conhecimento legal pra dentro dessas instituições e adequá-las para o atendimento médico. Hoje pode se dizer que há um antes e um depois da FEBRACI. As clínicas estão realmente atuando dentro da legislação pra beneficiar o usuário de drogas”, esclarece Brunelli.
De lá para cá, 25 unidades, situadas em oito (8) estados brasileiros, já foram certificadas pelo atendimento de excelência. O objetivo é alcançar o máximo de instituições possíveis para que a família brasileira, que está quebrando o anonimato e recorrendo a ajuda, tenha o direito aos leitos psiquiátricos. “Hoje deixou de ser um tema polêmico e se tornou uma necessidade como qualquer outro serviço de saúde, graças ao Secretário Dr. Quirino, a FEBRACI, ao Osmar Terra, ao Edu Cabral e a Dra. Cláudia Leite, que entenderam a necessidade de cuidar da dependência química. No Brasil há milhares de usuários de drogas e são pouquíssimos leitos psiquiátricos em atividade. As clínicas especializadas são um grande apoio para o governo e as famílias internarem essas pessoas”, pontua.
Para a filiação na FEBRACI, as clínicas precisam do Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (CNAE Hospitalar), Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES), além de terem uma construção mínima dentro da RDC 50 da ANVISA, registro no Conselho Regional de Medicina (CRM), com a indicação do diretor técnico médico que deve estar presente na Clínica todos os dias, com enfermaria 24h, sala de atendimento ao suporte à vida com equipamentos necessários e uma equipe multiprofissional presente in loco dentro da instituição.
“A princípio, nós recebemos a documentação pra análise. Após a análise positiva, é agendada uma visita presencial onde a FEBRACI fica até dois dias dentro da instituição acompanhando o funcionamento e dando treinamento pra equipe. Após isso ela é cadastrada como filiada a FEBRACI e vai pro site de instituições recomendadas no Brasil”, afirma Brunelli.
Questionado sobre a diferença entre a CTs, que oferecem um tratamento de doze meses e são financiadas pelo governo federal, Brunelli revela que foi escrito o Manual das Clínicas Especializadas de Dependência Química que direciona, organiza e orienta tanto os gestores municipais e estaduais, quanto os proprietários de instituições que fazem a internação, para que todos possam conhecer e executar o caminho. “A FEBRACI construiu em quatro mãos, junto com o Governo Federal, Ministério da Saúde, Ministério da Cidadania, Secretaria da Família dos Direitos Humanos, CFM e ANVISA, esse manual específico para o funcionamento, instalação e fiscalização dessas unidades para facilitar a diferenciação entre as clínicas e as CTs”.
Da drogadição para uma nova vida
Com o acolhimento especializado, tratamento humanizado e reinserção social de forma digna, os adictos encontram uma nova oportunidade para escrever uma nova história, além de enfrentarem o desafio de manter a sobriedade. Sendo assim, qualquer pessoa pode solicitar a internação, seja a família, Agente de Saúde e a Justiça, porém apenas o médico pode autorizar.
“Uma internação só é permitida quando todos os recursos já estiveram exauridos. Por exemplo, hospitais, CAPs, atendimentos ambulatoriais que não deram resultados como tratamento e onde o usário está em risco de morte. Nesse caso, precisa de uma intervenção médica, de acordo com a Lei 13.840/19 e a Lei 10,216/01. Não tem idade pra resgatar a pessoa que sofre com dependência química. É importante destacar que a clínica tem que ter dois blocos: a parte terapêutica com unificação com o bloco hospitalar, onde todos os pacientes que são recebidos têm atendimento de enfermagem 24h, aparelhos de suporte a vida, para a internação naquele momento. Passou a fase crítica, ele vai pra instituição terapêutica, que se encontra anexada a essa clínica, e ali terminar seu tratamento”, ressalta.
Após três meses de internação, conforme Brunelli, o paciente recebe a alta médica, mas com o acompanhamento pós-tratamento garantido para que a ressocialização seja de forma eficaz. “Tem a visita posterior de um médico, um psicólogo ou um consultor em dependência química pra que ele possa dar sequência ao processo. Tem a indicação de sala, como Narcóticos Anônimos, Alcoólatras Anônimos e o CAPS. Toda a internação serve somente pra estancar o uso abusivo e que estava fora de controle. A pessoa estava com risco de morte e colocando outras em risco. Então a intervenção médica vai lá e tira a pessoa daquela situação, oferece um prazo de estabilização e após isso vai dar sequência no tratamento ambulatorial”.
E em casos de irregularidades, a FEBRACI atua com as denúncias de forma criteriosa. A princípio, com uma notificação para a instituição e, posteriormente, uma visita técnica pra averiguação. Caso não haja nenhum tipo de avanço, a FEBRACI denuncia a instituição para o Ministério Público e os órgãos competentes para que as providências sejam tomadas.
Desejo: vincular as vagas das clínicas ao SUS
A FEBRACI é a única do segmento que possui Credenciamento na Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas (SENAPRED), do Ministério da Cidadania. Roberto Brunelli revelou que, no último mês de agosto, ganhou uma caminhonete S10 pela doação do Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD) como reconhecimento ao seu importante trabalho na adequação e visitação das clínicas por todo o país. Fora isso, a instituição ainda não recebe nenhum recurso do governo federal e a manutenção é feita por meio de palestras e cursos que promove pelo Brasil. “A Senapred nos fiscaliza através de relatórios que a gente tem que enviar e das nossas notificações. Quando há alguma questão a ser resolvida, eles nos orientam. Graças a Deus, até hoje, a FEBRACI nunca teve uma denúncia ou algo que desaprovasse o seu trabalho. Hoje, uma das lutas da FEBRACI é que um dia possamos conseguir vincular as vagas dessas clínicas ao Sistema Único de Saúde, colocando-as na RAPS, Rede de Atenção Psicossocial, pra poder conseguir vagas gratuitas para as famílias carentes”.
Durante a entrevista, o fundador ainda fez um pedido especial para a sociedade e ao governo. “A FEBRACI é a única Federação que luta por esse tipo de tratamento no Brasil. Nós precisamos de muito apoio pra que o trabalho avance e mais famílias consigam um atendimento pra tirar os seus filhos da dependência química, que estão internados dentro de cracolândias e não saem de lá pra nada e estão à mercê do tráfico, apenas uma internação involuntária pode ajudar. Mas nós temos pessoas que querem tratamento, então, têm as comunidades terapêuticas, CAPS, psicólogos e tudo mais. Toda essa rede é necessária e queremos incluir as clínicas especializadas. Não existem vários rumos, existe apenas um que é a abstinência. Nós temos um propósito de salvar a vida”, finaliza Roberto Brunelli, autor de dois livros sobre dependência química.
Ascom ImagineAcredite