A Casa do Menor São Miguel Arcanjo, que completa 35 anos em 2021, guarda várias histórias emocionantes de pessoas que tiveram a oportunidade de recomeçar a vida com amor, esperança, acolhimento e fé em Deus. São pessoas que desde o nascimento sofrem com o abandono, a falta de carinho e a presença de um pai e uma mãe. E a instituição oferece uma família para cada acolhido, seja criança, adolescentes, jovens e até mesmo adultos em situação de rua e vulnerabilidade. É o caso de Ronaldo Freitas de Lima que conheceu a instituição aos 16 anos e hoje, aos 35 anos, casado, pai de 2 filhos, é voluntário e cuida de 100 crianças.
Cada capítulo de sua história é uma superação. Seu nascimento foi fruto de uma traição por parte de sua mãe com um fazendeiro, que na época trabalhava como caseira junto com seu esposo, que ao descobrir pediu a separação, mas deu todo o suporte que ela e o filho iam precisar. “Comprou uma casa pra minha mãe, construiu perto da casa minha avó. Minha mãe praticamente deu essa casa depois, porque vendeu a um preço barato, e nisso foi embora e me deixou com a minha avó. Aí, quando, eu tinha 9 anos, minha mãe ia me visitar às vezes, uma vez no ano”, relata Ronaldo, que sentia falta do convívio com a mãe e fugiu da casa da avó.
Nesse período, sua mãe morava em Moquetá, Nova Iguaçu, atrás do cemitério, onde era um casarão que abrigava várias famílias. Sua mãe estava envolvida com drogas e Ronaldo não aceitava padrasto pois presenciou as agressões cometidas contra sua mãe. A sua mãe sumiu e deixou os nove filhos com a avó. Por conta disso, Ronaldo viu sua família despedaçar. “A minha irmã mais velha não foi para as ruas porque ela sempre foi criada com a minha avó. Nessa época, o meu irmão mais velho, que é abaixo da minha irmã, já tinha relacionamento com uma pessoa, então ele começou a construir a vida dele. E 3 irmãos meu mais novo foi pra um orfanato em Volta Redonda. E eu e o Ângelo morávamos na rua e o Reginaldo ficou um tempinho lá e depois saiu”, conta Ronaldo.
Aos 9 anos e morando em situação de rua, Ronaldo conheceu o pastor e médico Djalma que faz até hoje trabalho com essas pessoas em situação de vulnerabilidade, levando comida, roupas e a Palavra de Deus. De vez em quando, o pastor ainda levava Ronaldo e seu irmão Ângelo aos finais de semana para passar na casa dele. “E nisso ele ofereceu a gente pra gente ir pra uma instituição. Esse orfanato é de uma irmã, uma pastora, só que lá era o pessoal muito rígido, batia muito na gente. Aí, foi pra lá, eu e o Ângelo. O Ângelo fugiu e eu fiquei sozinho. E como eu apanhava muito, porque eu não era muito quietinho, aí eu acabei fugindo com 12 anos pra casa da minha avó mora em Engenheiro Pedreira”, revela.
Apesar de ser considerado “um menino de rua”, Ronaldo não tinha experiência em andar de ônibus e trem. E apesar de estar na casa de sua avó, lá tinha que seguir as regras, foi quando em pouco tempo, aos 13 anos, ele decide morar em situação de rua até aos 16 anos. E seu maior medo era morrer. “É um desafio, uma situação muito complicada, perigosa, porque você luta contra a tua vida, porque a todo momento você tem situações tanto da polícia quanto dos próprios moradores de rua. As pessoas te veem sempre com marginal, por mais que eu não tive a experiência de cometer delitos, furtos, roubos, mesmo estando na rua. Por isso que talvez eu tenha conseguido sair fácil desse caminho, você sabe que dorme, mas não sabe se acorda”.
Ronaldo lembra que quando tinha 16 anos, seu irmão Ângelo levou um tiro de um policial e foi nesse momento que eles conheceram uma outra instituição em Cabuçu, onde o Conselheiro Tutelar levou tanto Ronaldo quanto Adilson, seu amigo, para a Casa do Menor. Logo no início, eles ficaram na casa de primeira acolhida, ao lado do CIDAH, Casa da Vida, onde fica os adolescentes. “É na época, lá era a primeira acolhida, a Casa Renascer. E assim foi o momento incrível, porque a gente viveu em um mundo totalmente diferente, onde a gente encontrava educadores que não eram educadores simplesmente por conta de um salário. Então, foi isso que amarrou a gente. Aquele acolhimento, onde era pessoas que estavam aqui fazendo papel de pai e mãe. Não era simplesmente um educador que recebia o seu salário e ia embora”, diz Ronaldo que ficou surpreso ao ser atendido por um grupo técnico pedagogo, o psicólogo, o assistencial e em nenhum momento ser agredido, pois na Casa do Menor só há amor, família e esperança.
A Casa do Menor também acolheu mais três irmãos de Ronaldo, além do seu amigo Adilson. E a forma diferenciada que a instituição trabalha em prol de dar oportunidades aos menos favorecidos, mexeu com o sentimento de Ronaldo, que aos 17 anos já era voluntário. “Eu comecei a sentir e achava que eu poderia fazer o mesmo. Então me tornei voluntário em uma casa chamada Casa Ângelo, lá no forte, em Belford Roxo, onde eu tinha a responsabilidade de levar os meninos todos os dias de Belford Roxo pra Miguel Couto, para o CIDAH. Então, eu saia da Casa Renascer, ia pra Casa Anjo e olha que é uma longa distância. Eu saia de manhã pra pegar os meninos, saía às 7h pra tá com os meninos às 8h no CIDAH. Voltava com eles às 11h pra casa, depois saía com outro grupo que estudava de manhã, às 12:30 pra tá às 13h na CIDAH e voltava às 17h, todos os dias naquele rojão. Então, assim, eu já sentia que era uma coisa que eu queria pra retribuir. Eu recebi aquele cuidado, o amor, a atenção das pessoas”, expõe Ronaldo.
E sua trajetória na Casa do Menor se intensifica. Quando ele começou a trabalhar como jardineiro na instituição, com carteira assinada, o Padre Renato teve o sonho de formar a Família Vida e o convidou, mas com a condição de ir à Tinguá para fazer a experiência de formação. O convite foi aceito e quando Ronaldo terminou a formação, ele partiu para as missões, onde em uma dessas no Ceará, em 2007, conheceu a sua esposa Jussara Rodrigues. “Começou um trabalho lá em Pacatuba onde era a casa de primeira acolhida. E com isso eu conheci a Jussara e resolvemos assumir realmente o namoro quando veio o meu primeiro filho Pedro Rodrigues de Freitas, que nasceu em 2009. Logo depois veio meu outro filho, Ronald Rodrigues de Freitas. Aí já trabalhava na Casa do Menor, era remunerado, tinha a carteira assinada em Fortaleza. Ela também, funcionária da Casa do Menor. Nos casamos no civil e na igreja. Hoje eu tenho 12 anos de casado e 2 filhos”, detalha Ronaldo.
Com 21 anos de Casa do Menor, hoje Ronaldo cuida em Taperoá, Paraíba, de 100 crianças que chegam na instituição sem perspectiva e ganham uma família recheada de voluntários que tem amor e presença de família para oferecer a cada um. E o Padre Renato e Deus confiou a missão ao Ronaldo para cuidar e encaminhar cada criança a realizar seus sonhos. Para ele é um desafio e ao mesmo tempo gratificante conciliar a família biológica com a sua família que Deus deu a ele, que é a Casa do Menor. “Eu tenho que ser o pai de muitos Ronaldos que vão aparecer pra mim. Aquela paternidade que eu recebi na Casa do Menor eu retribuo com gratidão. Eu sempre tive o desejo até de ir pra África para retribuir esse carinho, esse afeto, esse amor que eu recebi na Casa do Menor. Eu quero difundir pra outros lugares, pra outras pessoas que precisam”, afirma.
“Esse trabalho que a gente desenvolve com essas 100 crianças e fora as famílias, que são aquelas que não tem filhos na Casa do Menor, mas que precisam, a gente tá sempre apto a tá ajudando, acompanhando. E hoje, também, os cursos profissionalizantes é pra aproveitar pra fazer aproximação, fazer evangelização, cuidar melhor das pessoas e conhecer as feridas das pessoas. Esse é o intuito, é você dar o curso pra você mergulhar, seja no sofrimento, seja nas alegrias. Então, você tem dentro do curso, um olhar daquele que precisa de um sorriso, precisa de uma palavra, precisa de um afeto, precisa de um abraço”, finaliza.
Ascom ImagineAcredite