Com o desenvolvimento e a massificação do digital, como os smartphones e as redes sociais, o contato físico com o outro ficou cada vez mais difícil. Olhar nos olhos, abraçar verdadeiramente ou até mesmo fazer uma singela ligação para alguém que se tem muito carinho tem entrado em extinção. Quem nunca ouviu alguém dizer que não lembra do dia em que fez uma ligação certamente é um entre poucos milhares, que hoje prefere um simples SMS ou mensagem de WhatsApp.
As plataformas de interação social têm modificado o comportamento humano com a mesma intensidade que o álcool e a maconha possuem para potencializar o uso de outras substâncias psicoativas. Tanto é que gestos simples como uma saudável brincadeira de criança nas ruas, até mesmo das cidadezinhas mais interioranas que há nos rincões do Brasil já não se vê mais, bem como uma roda de amigos onde todos olham nos olhos, brincam e conversam, está entrando em extinção.
Risadas foram substituídas por emojis, a autoaprovação passou a depender do número de curtidas e de seguidores, e a integração proposta pelas plataformas sociais, na verdade, acabou segregando, dividindo ou excluindo as pessoas de uma vida real. Tudo isso ocorre num ambiente repleto de estresse, violência e também do fortalecimento do egoísmo, o que aprofunda ainda mais a exclusão social independentemente do patamar econômico de cada cidadão.
O resultado disso é o crescimento, por exemplo, das taxas de suicídio que entre 2010 e 2016 registrou um crescimento de 7% a cada 100 mil habitantes no Brasil, enquanto no resto do mundo essa taxa recuou 9,8%, conforme dados da Organização Mundial de Saúde. Isso é fruto de uma sociedade que, apesar de pacífica e boa de festa, desaprendeu a olhar no olho, perdeu a vontade de entender o outro e, para a sua própria sobrevivência, passou a apoiar medidas que marginalizam o valor de uma vida.
Essa banalização da vida aliada à exclusão social, à doença do século (depressão), e à falta de pertencimento, por muitas das vezes, acaba levando um cidadão emocionalmente abalado por alguma ausência a um mundo muito pior do que a sua realidade atual, a exemplo das drogas. Elas, diferentemente do que se pode imaginar, é a principal porta de entrada para as pessoas que não se sentem amadas por um pai ou uma mãe, que gritam em silencio por não conseguirem ser ouvidas e que, portanto, recorrem as drogas, a violência e a marginalidade para suprir, tratar ou esquecer, ainda que temporariamente aquela determinada ferida.
E é justamente nesta seara que figura o acolhimento. A palavra pode ser banal, mas possui uma dimensão que é capaz de resolver, tratar ou prevenir muitas desgraças psicossociais. Tanto é que se pesquisarmos em dicionários o sentido desta palavra, eles nos dirão que acolher é agasalhar, hospedar, proteger, receber bem, aceitar bem. De fato, acolher é mesmo tudo isso. Nós podemos acolher uma palavra, uma ideia; e podemos também acolher o próximo. Aliás, é sob o influxo do acolhimento, que os níveis de estresse são rebaixados. As tensões desaparecem. Angústias somem e os medos minguam.
O acolhimento como ato ou efeito de acolher expressa, em suas várias definições, uma ação de aproximação, um “estar com” e um “estar perto de”, ou seja, uma atitude de inclusão. Essa atitude implica, por sua vez, estar em relação com algo ou alguém. É exatamente nesse sentido, de ação de “estar com” ou “estar perto de”, que o acolhimento é afirmado como uma das diretrizes de maior relevância ético-estética da Política.
No mundo, para além dos hospitais, que muitas das vezes são alvos de crítica dos pacientes por algum desentendimento do trato com o outro, quem também lida com o acolhimento diário são as comunidades terapêuticas que fazem um acolhimento voluntário de dependentes químicos que, durante o tratamento, colocam para fora tudo aquilo que um dia lhe fez ingressar no terrível mundo das drogas. Um feito que familiar nenhum consegue, mas por que nas CTs isso é possível? A resposta está no acolhimento.
O acolhimento é mais do que preparar ou fazer algo para a pessoa acolhida. O acolhimento passa pela escuta atenta, pelo olhar, pelo sorriso, pelo aperto de mão, pelo abraço aconchegante e apertado, e até por uma ou mais horas de oração. Acolher é estar preparado para receber o outro, é ser cortes, é ser empático, é dar atenção! E tudo isso é ensinado nas CTs aos seus acolhidos justamente no convívio entre os pares, que é onde eles percebem que são iguais aos outros e que podem sim se abrir para curar as suas feridas, tais como os seus companheiros fazem.
O acolhimento, ainda que não percebamos, está em cada contato interpessoal do nosso dia a dia. Quem não gosta de ser bem recebido num ambiente qualquer? Quem não gosta de receber um abraço, uma palavra de apoio ou um simples sorriso? Pois é! O assunto é complexo, mas ao mesmo tempo é simples. Que saiba cultivar o acolhimento, o qual será o tema da segunda edição da revista Imagineacredite. Aguardem!
Por Sérgio Botêlho Júnior