Clayton Aguiar: A Vila Planalto é resultado da luta de seus moradores

Situada no coração de Brasília-DF e responsável por abrigar os primeiros habitantes da capital do Brasil, a Vila Planalto esconde uma série de histórias e curiosidades. Mas, uma das que mais chamam a atenção é que a existência do local até os dias de hoje se deve ao amor e ao de seus moradores perante as autoridades locais.

Segundo o jornalista Clayton Aguiar, um dos primeiros líderes comunitários da Vila Planalto e um dos últimos administradores de Brasília-DF, cargo que na atualidade é equivalente ao de prefeito, o local foi projetado para ser um abrigo temporário dos construtores da capital, e por isso, as autoridades sofriam grande pressão para destruí-lo e dar espaço a novas e modernas edificações.

“Aquilo ali era provisório, só que no Brasil tudo que é provisório vira definitivo. E por aquele local ser muito central de Brasília, ele sempre foi muito cobiçado pelos especuladores imobiliários, isso no pretexto que ali não poderia ter construções”, recorda Aguiar. A partir daquele momento, os moradores se organizaram com a intenção de deixar o local, até que o apego à localidade falou mais alto.

“Nós formamos em 1973 a primeira Associação de Moradores da Vila Planalto, com a presidência do Dr. Carlos Antônio Sobrinho, que hoje ele é um Desembargador aposentado e meu vizinho da Vila Planalto. Então nós formamos a primeira Associação dos Moradores e um dos temas, que foi posto lá, era solicitar ao governo que desse lotes em outras localidades, para que nós pudéssemos mudar, porque ninguém acreditava na possibilidade da Vila Planalto ficar ali.

Mas eu tinha uma certeza de que não tinha nenhuma razão prática de ser. Era só uma utopia na época, de que eu não sairia da Vila Planalto. Eu dizia: ‘Olha, eu não quero lote’, – ‘Mas não vão deixar a gente ficar aqui’. Aí eu falei: ‘Eu acho que sim, eu vou ser o último a sair’. E realmente, isso foi em 1972 / 73, até que no dia 30/12/2014 eu recebi a escritura definitiva do meu lote na Vila Planalto. Então esse sonho, essa luta de grandes companheiros se transformaram em realidade muitos anos depois, mais precisamente no dia 30 de dezembro 2014”, comemora.

O Parque que impediu a criação de uma favela no coração de Brasília

A Vila Planalto sempre foi alvo de muita cobiça imobiliária. Por isso, foram investidas várias ações no intuito de desvirtuar o local. Segundo Clayton Aguiar, houve um período em que a Vila Planalto passou a sofrer uma “invasão muito grande” com o aval de dois parlamentares. “Eles estavam anunciando lotes no Correio Braziliense”, recorda o jornalista que recomendou ao administrador de Brasília a criação do Parque Vivencial da Vila Planalto.

“Se eu não tivesse feito o que fiz, hoje nós teríamos ali uma nova Rocinha. No coração de Brasília, nós teríamos ali uma invasão sem precedentes. Então, eu de parceria com o professor Ênio, que era secretário de Meio-Ambiente, de forma sigilosa, nós criamos o Parque da Vila Planalto. É toda aquela área verde que envolve a Vila Planalto todinha, aquilo é o Parque da Vila Planalto, Parque Ecológico da Vila Planalto. E foi criado em 2005, por uma lei assinada pelo governador Joaquim Roriz”, argumenta.

E completa: “Eu comecei na época a fazer a desocupação e retirei 32 ocupações irregulares. Depois que eu sair da administração, eu não sei o que aconteceu. Mas o fato é que só a criação do parque foi decisiva para impedir que ali continuasse a ter lotes vendidos e se transformassem numa favela de proporções que depois seria difícil de tirar, como acontece hoje no Rio de Janeiro”.

A Vila do povo precisa ser conservada

Ao Portal Imagineacredite, Clayton Aguiar se mostrou muito feliz com os avanços conquistados na Vila Planalto, a qual – de acordo com sua ótica, precisa ser mais valorizada e conservada tanto por seus moradores como pelas autoridades constituídas. “Existem muitas pessoas na Vila que só sabem criticar o que tá faltando na Vila. Eu prefiro lembrar o que já foi feito. Na campanha política de 1990, em que eu fui um dos marqueteiros de campanha do governador Joaquim Roriz. Ele no comício da Vila, me pediu que enumerasse o que a Vila tava precisando. Naquela ocasião, a Vila tava precisando de tudo, que não tinha nada! Não tinha asfalto, não tinha poste de cimento, não tinha rede de esgoto, não tinha rede pluvial, e nem tinha posto de saúde. E eu coloquei tudo isso para o governador, então candidato.

Assim que ele ganhou a eleição, uma semana depois, ele voltou na Vila Planalto para reafirmar o compromisso dele. E aí foi construindo escola, posto de saúde… Tudo o que a Vila tem hoje, praticamente, foi feito nesse período. Então eu acho que a Vila Planalto, hoje, precisa mesmo é de uma conservação. Por exemplo, os prédios que são de responsabilidade do governo, o único que está em boas condições de uso é o da AMPARE, porque os outros foram abandonados e os prédios de madeira em Brasília são de difícil conservação, entendeu. Então eu acho que tudo na Vila pode melhorar, mas eu acho que a Vila é o melhor lugar em Brasília para se viver. O que precisa é ter um olhar mais atento e também a colaboração dos moradores no quesito de limpeza, porque eu vejo, com muita insistência, e apesar de todo dia passar o caminhão do lixo, eu vejo com muita tristeza muita gente jogando lixo no meio da rua. Então isso não é um problema de governo, é um problema da sociedade”, salienta.

Mesmo diante de tais desafios, Clayton Aguiar é contra a existência de um sub-administrador da Vila Planalto, uma vez que para ele: “A administração de Brasília já tem aparatos suficientes para cuidar da Vila Planalto. Basta apenas que o administrador tenha melhores condições. Porque eu quero dizer pra você o seguinte: eu fui administrador de Brasília e o administrador aqui, se ele não tiver prestígio pessoal, ele acaba se transformando no office-boy de gravata”.

Além disso, do outro lado da moeda, ele defende que as lideranças da Associação dos Moradores da Vila Planalto busquem sempre o entendimento a fim de tomar iniciativas capazes de preservar a vila e tudo aquilo que a torna única. “Uma vez eu me lembro, que eu falei com o governador Joaquim Roriz, que lá nós temos cinco grupos que impedem qualquer norma do que vai ser feito na Vila. Tudo que vai fazer, um apresenta proposta e outros quatro grupos são contra. E qual é o político que vai agradar um para desagradar quatro? Enquanto não houver uma união da Vila Planalto, isso vai ficando cada vez mais difícil, porque daqueles pioneiros muitos já faleceram e as pessoas estão vendendo suas casas e tudo, né. E a cada dia estão chegando moradores novos que não têm aquele compromisso com a história da Vila Planalto”, lamenta.

A Vila que precisa estar unida para atrair o Brasil

Para Clayton Aguiar, a Vila Planalto já está organizada para precisa estar unida para explorar o seu potencial turístico, já que a sua vocação é ser um centro gastronômico. “Hoje, nós temos na Vila Planalto dezenas de restaurantes dos melhores, de vários segmentos, mas que não têm uma política conjunta, cada um faz seu próprio marketing. Ao invés de eu parar de pensar individualmente e pensasse de maneira coletiva, seria muito mais interessante você projetar, não só aqui em Brasília, mas de forma nacional, a Vila Planalto como o centro gastronômico que já é. É só uma questão de dar uma vitrine com maior visibilidade. Eu não sei por que não fazem”, defende.

Cabe destacar que a Vila Planalto, por si só, é um importante aparato turístico do DF, pois conta com o primeiro hotel de Brasília, o Palácio da Alvorada, o Palácio do Jaburu e uma orla. O local também já sediou alguns eventos como: show de Roberto Carlos e uma edição do concurso Miss Brasil. Entretanto, na visão de Aguiar, o sucesso do turismo na região depende dos seus habitantes.

“A população que joga lixo na rua é a mesma que vai para a televisão reclamar que o lixo está na rua. Então o problema cultural, de turismo, é tudo uma questão que para melhorar, tem que melhorar a mentalidade do povo brasileiro e isso é uma coisa que leva tempo. Já estou com meus 70 anos e com certeza não verei essa transformação”, lamenta.

AMPARE: Uma obra de amor no coração de Brasília

A luta de Clayton Aguiar por melhorias na Vila Planalto, dentro de sua casa, não se restringe somente a ele. É que junto a sua saudosa esposa, eles fundaram o projeto AMPARE na Asa Norte, em 1979. A medida foi resultado de algumas visitas aos hospitais de Brasília, onde foram descobertas 12 crianças que estavam com severas deficiências e abandonadas por suas famílias.

“As famílias internavam as crianças e davam o endereço. Quando a criança estava de alta, o hospital não tinha pra quem devolver, até que minha mulher descobriu 12 crianças nesta condição, chegou em casa e me disse: ‘Olha, tem uma casa aqui na Vila Planalto, você é amigo do governador Roriz, vá até ele, peça essa casa que nós vamos retirar essas crianças e nós vamos cuidar delas como se fossem nossos filhos’. E assim foi feito.

Eu pedi ao Roriz, e imediatamente ele cedeu e foi dado um termo de comodato para AMPARE. Nós tivemos que reformar a casa, estava em péssimas condições. Eu reformei a casa com recursos próprios e nós mudamos as crianças. Nós montamos toda a estrutura e acolhemos essas crianças. Nesse tempo, de 94 até agora, já se passaram 26 anos, e nós já tivemos algumas crianças que faleceram, três foram reintegradas as famílias, mas infelizmente até hoje continua tendo esse problema social, de crianças que são abandonadas.

Então nós temos no nosso abrigo, da Vila Planalto, nove crianças que são atendidas por cuidadoras, por todo tipo de atendimento médico, todo tipo de atendimento necessário para que elas tenham uma vida digna, já que nenhuma delas tem possibilidade de recuperação, pois o estado delas é muito grave. Mas, lá, elas são tratadas com muito amor, com muito carinho e nossas cuidadoras, depois que a minha esposa se foi, minha mulher, a irmã dela, a Maísa, assumiu a casa lá e a Mirna assumiu a direção da AMPARE. Daí nós estamos aí, 26 anos depois dando atendimentos a essas crianças”, relata.

Dono de uma biografia ímpar e de um amor sem igual pela Vila Planalto, Clayton Aguiar se mostra feliz com os avanços conquistados pela região ao longo dos anos e credita tudo isso aos seus antigos companheiros. “O que mais me marcou na Vila Planalto foi o fato dela ter continuado existindo, graças à força dos seus moradores. […] a comunidade da Vila lutou bravamente e resistiu aos ataques dos donos de Brasília, dos empresários imobiliários que são muito fortes, muitos poderosos e que muitas vezes impediram a legalização da Vila Planalto”, orgulha-se.

Com 70 anos, Clayton Aguiar é natural de Coromandel (MG) e desembarcou em Brasília no dia 20 de março de 1968. Daquele dia em diante, ele se mudou para a Vila Planalto, onde trabalhou vendendo carros, fundou o Pronto Atendimento de Água, Esgoto e Eletricidade (PAE), e descobriu sua vocação para a comunicação. A partir de então, ele comandou uma série de programas radiofônicos que fizeram sucesso em várias partes do Brasil. Até que em 2003 é eleito administrador de Brasília, cargo que exerceu por três anos. Hoje, apaixonado pelo Planalto Central, ele exerce chefia a assessoria de comunicação do senador Eduardo Gomes, o mais votado do Tocantins.

Por Sérgio Botêlho Júnior

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