Cada pessoa que se envolve ou já se envolveu com o trabalho de Comunidade Terapêutica no Brasil e no mundo, geralmente, foi porque teve uma vivência muito dura com a dependência química – seja consigo ou com um ente querido – e todos os seus males. Este é o caso da Célia Regina de Moraes, diretora da comunidade Desafio Jovem de Brasília, que vive o inferno para salvar o seu filho Sidnei Gomes dos Santos, de 42 anos, do mundo das drogas.
Segundo ela, tudo começou em meados de 1989, quando recebeu a notícia de que seu filho – que na época tinha somente 12 anos – havia sido apreendido por ter cometido o ato infracional de roubo a uma rotisseria junto com outros amigos, em São Paulo. Na ocasião, ele e seus amiguinhos foram flagrados roubando peças do setor de frios, como presunto, queijo e salame. Diante disso, ela começou a questionar os motivos da prisão, mas sem desconfiar que tudo tinha origem na droga.
“Mas por que meu filho roubaria comida? Eu trabalhava e não deixava que faltasse nada para ele. Éramos só nós dois. Por que ele faria isso? Ah, eu pensei, mais uma molecagem como aquela em que ele quebrou os vidros da fábrica de móveis ao lado de casa. No entanto, a verdade não demorou e soube que roubaram para vender e conseguir dinheiro. Será que ele queria comprar um tênis de marca, pensei? Eu não podia dar esse tênis que ele tanto queria.
Minha irmã se aproximou de mim e com muito cuidado me disse que ele estava usando drogas. Por isso foi pego roubando. Precisava do dinheiro para comprar drogas. Não acreditei logo de cara e sai na defesa dele. Aquele garoto alegre, que me fazia companhia, que passeava comigo, que eu levava para escola de mãos dadas, que me abraçava e me beijava dizendo que me amava (…) Não, ele não estava fazendo isso!”, relatou Célia ao Imagineacredite.
Contudo, apesar da defesa motivada pelo amor de mãe, Célia logo começou a notar a realidade quando passou a ver as coisas da sua residência desaparecerem. “O dinheiro sumia da minha bolsa. Os vizinhos começaram a não permitir que seus filhos brincassem com ele. Era o começo da fase mais horrível das nossas vidas”, relembra.
O garoto Sidnei Gomes havia conhecido as drogas ainda em 1989. Uma vez que foi naquele ano que havia surgido uma nova droga entre os adolescentes paulistas e que era feita a partir da cocaína. Para produzi-la, a meninada misturava o pó da cocaína com alguns produtos químicos em uma colher, incluindo bicarbonato de sódio. Em seguida, aqueciam a colher diretamente no fogo e fritava a mistura para provar dos estalidos, que faziam um barulho característico do crack. Tanto é que esse processo produzia algumas pedrinhas que eram misturadas ao tabaco ou à maconha.
E foi justamente por essa droga que Célia recebeu uma advertência de uma de suas vizinhas e mais uma vez foi levada pelo amor e a boa-fé de uma mãe. “Certa vez, ao chegar do trabalho, a vizinha me chamou e me advertiu: ‘Seu filho vive pedindo bicarbonato emprestado aqui em casa. Ora, o que ele podia estar fazendo com bicarbonato? Perguntei a ele e a resposta foi a mais ridícula possível: para colocar no pão. E eu acreditei! Em uma outra vez observei que havia um pó branco no nariz dele. Perguntei o que era e ele me disse que não era nada. Eu achei, sinceramente, que era o bicarbonato que ele havia colocado no pão e tinha grudado no nariz dele. Como eu era cega”, lamenta.
Contudo, a situação se agravou ainda mais quando o Sidnei começou a chegar tarde em casa. Esse ato fazia com que Célia, por várias vezes, saísse de casa vestindo uma camisola e desesperada em busca do seu filho nos mais diversos ambientes insalubres e de alta periculosidade. Tanto é que ela chegou a ter a sua vida ameaçada por um adolescente armado, mas ela não desistia até encontrar o Sidney.
“Um dia, um dos rapazes que ficava tomando conta do portão de uma casa, ao me ver indo em sua direção, se antecipou e, com uma arma na mão, de perguntou: ‘O que a senhora quer, dona?’ Eu respondi olhando nos olhos dele: ‘Quero só o meu filho. Eu sei que ele está ai dentro’. Esse rapaz colocou a arma encostada no meu rosto e me disse: ‘Então volta pra sua casa, Dona, e se a polícia baixar aqui, a senhora vai receber seu filho com a boca cheia de formiga’”, destaca.
A busca por ajuda
Diante de tanto sofrimento, em 1992, quando Sidnei havia completado 15 anos, Célia decidiu procurar ajuda. “Naquela época não havia Comunidades Terapêuticas, havia Casas de Recuperação e Centros de Tratamento, ou seja, eram embriões de CTs. O primeiro lugar para onde levei meu filho foi um Centro de Tratamento no interior de São Paulo, na cidade de Tatuí. Ele ficou um mês apenas. Era muito caro para mim”.
Sem condições para manter o jovem na CT, Célia Regina buscou ajuda em psicólogos, igrejas, grupos de autoajuda, mas a situação só piorava. Até que um dia, ela ficou sabendo que seu filho estava jurado de morte e, por isso, resolveu tomar uma decisão radical. “O nome dele tinha sido colocado nos postes de luz do bairro. Isso significava morte. Não hesitei. Coloquei algumas coisas dentro de um carro velho que tinha e viemos para Brasília.
Em Brasília, durante um período, tivemos paz. Mas logo voltou a usar drogas e pirou muito. Eu andava desde a Rodoviária até o fim da Ceilândia procurando por ele. Em qualquer mata, boca, casa, maloca eu entrava e pedia para que me deixassem trazê-lo para casa. Muitas vezes ele fez dívidas e ficou retido até que alguém pudesse ir resgatá-lo. Foi um verdadeiro inferno. Todos da família nos abandonaram. Até que não dei mais conta e ele foi morar na rua”, conta.
“Posso garantir que o meu coração doía, dor de verdade, bem forte no peito. Meu olhar era só de tristeza, tinha perdido a alegria, nada mais importava. Até que finalmente ele aceitou ir para o Desafio Jovem de Brasília. Isso foi em 2009. Fez o tratamento, saiu, recaiu, voltou, saiu, recaiu (…) Mas agora ele está limpo há cinco anos. Muitas perdas depois, retomou a vida. Hoje trabalha e tem uma família. Ah… Sabe aqueles amiguinhos que foram pegos com ele roubando a rotisseria? Foram mortos dois meses depois de termos chegado em Brasília”, observa.
Uma nova vida para outras vidas
Hoje, Sidnei tem 42 anos e dedica a sua vida a família e ao trabalho na Desafio Jovem. Lá, ele e sua esposa exercem a função de monitor e auxiliam na recuperação de jovens e no tratamento das famílias. Enquanto sua mãe dedica a vida ao resgate de vidas que assim como a sua um dia estiveram jogadas no inferno das drogas. Na direção do Desafio Jovem de Brasília, Célia empenha todo o seu esforço e amor para manter viva a comunidade que um dia lhe fez falta e que hoje é luz para muitos que buscam uma oportunidade para abandonar a dependência química.
Por Sérgio Botelho Junior