Ao nascer na Itália, em Villanova Mondovi, Deus confiou a missão para um pároco humilde, com quase 40 anos e a vida estabilizada como professor de filosofia, vir ao Brasil para ser presença de amor e família para os excluídos, onde milhares de crianças, adolescentes, jovens e adultos puderam resgatar seus sonhos adormecidos por falta de oportunidades. Cumprindo até hoje o segundo mandamento do livro Sagrado, onde Jesus fala: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt. 22:39), nós iremos contar o testemunho do padre Renato Chiera que atendeu o chamado de Deus e fundou a instituição Casa do Menor São Miguel Arcanjo onde reconhece o rosto de Jesus crucificado nos acolhidos.
Tudo começou quando o padre Chiera viu a triste realidade violenta das ruas do Rio de Janeiro, tomadas pelo tráfico e milícia, onde o Estado não dá a dignidade, acolhimento e amor para os menos favorecidos que encontravam nas drogas a “falsa” comodidade para alcançar a expectativa de uma vida melhor. E ao ouvir os gritos dos meninos excluídos da sociedade que temiam por sua vida, o religioso dá alento aos que procuram por uma nova chance, é o caso do jovem Pirata, usuário de drogas, que estava marcado para morrer e o pediu ajuda.
Antes de dar seu sim para transformar a vida dos meninos que moravam nas favelas do Rio, mais especificamente em Miguel Couto, região marcada pela violência, onde começou a obra, o religioso ajudou o Pirata a estudar e a trabalhar. Tempos depois, o menor foi assassinado no muro da Casa Paroquial e foi nesse momento que o padre se questionou sobre o seu trabalho missionário e continuou a percorrer as ruas para ser presença de amor e família, onde ouviu as histórias comoventes de viciados sem recriminá-los.
“Meu sim era dado a Deus, que tinha o rosto no menino que veio me pedir ajuda, porque me disse, já mataram 36 na tua Paróquia e têm 40 marcado pra morrer. Eu sou o primeiro da lista e você não faz nada? Nos deixam matar? E quando disse meu sim ao grito, senti que quem me questionava era Jesus. Porque Ele fala que aquilo que nós fazemos ao menor, fazemos a Ele. Eu já tinha começado este sim quando mataram o Pirata na minha casa, eu tinha o acolhido, mas não consegui salvá-lo. Eu pensava de acolher Deus no rosto dos filhos do Brasil não amados. Eu conheci o rosto de Jesus crucificado, abandonado, nestes meninos”, descreve.
Com a sua casa cheia de outros jovens ameaçados de mortes, o sacerdote enviado por Deus ao Brasil continuou indo nas periferias e cracolândias para evangelizar e mostrar o verdadeiro amor de Deus com os abandonados. “O ser humano é feito pra ser filho amado. Se esta primeira experiência acontece numa forma desarmoniosa, o ser humano não tem um referencial e desenvolve cicatrizes, carências, feridas que se procuram preencher em muitas formas como: droga, sexo, violência e roubos. Mas nós captamos que estas coisas são consequência de não ter feito a experiência de ser filho amado. Então essa luz que o Espírito Santo nos deu, nós devemos fazer no Brasil”.
Segundo o pároco, os abandonos acontecem de muitas formas, como, por exemplo, da família, da escola, da sociedade, da igreja e dos governos que não elaboram políticas públicas eficientes para incluir e dar oportunidades a todos. E é onde a entidade entra como uma mãe comunitária para ser a presença de Deus, pai e mãe, família para que não é amado, pautada por um trabalho de respeito e ética para garantir o futuro dos jovens. “Nós queremos ajudar essas pessoas a fazer uma experiência de vida diferente, a serem felizes. E para ser feliz, tu deves amar e ser amado. Mas se tu não és amado, não chores porque tu consegues superar. Nós os fazemos sentirem amados e ajudamos eles a amar. Isso é ajudar a pessoa a viver e a sair daqui com valores diferente, com a alegria de viver”.
Ao criar essa atmosfera terapêutica, a Casa do Menor busca curar as cicatrizes deixadas em cada coração que tiveram seus sonhos roubados ao não receberem nem apoio da sociedade, que muitas das vezes, os marginalizam ao pedirem “esmolas” para sobreviverem. “A estes meninos que foram gerados, mas não amados, que não tiveram o útero da mãe, útero pai, útero família, útero comunidade, útero sociedade, nós devemos curá-los e apresentarmos a eles a possibilidade de uma nova gestação, criando ao redor deles estes úteros comunitários nas Casas Lares, na profissionalização, e mostrando que eles têm valor, têm uma missão no mundo”.
Uma trajetória respeitada
Visitando sempre as favelas e as cracolândias do Rio, com sua vestimenta africana e escutando as histórias de quem não tiveram oportunidades na vida, padre Renato carrega em sua bagagem mais de 100 mil vidas salvas do tráfico e da violência, sendo transformadas graças a pedagogia presença, dado do amor, carisma da unidade e espiritualidade que os acolhidos recebem na entidade, em 35 anos.
“O grito maior é por presença de alguém que os amem. E a nossa resposta é ser presença de amor que acredita no ser humano. Nós sabemos que todo ser humano é recuperável, que foi ferido porque não teve um ambiente desde o útero materno que o ajudou a crescer numa forma harmoniosa. Deus me chamou nesta aventura. Eu me sinto totalmente realizado plenamente de ser presença para os outros e não viver mais para mim. E isso me dá uma alegria imensa. Deus toca o coração das pessoas. E quando tu vês que a pessoa não tinha mais jeito, estava desabrochando. Viver isso não é fácil, mas é muito bonito”, pontua.
Para o missionário, apesar do desafio, é um privilégio estar reunido com os meninos que procuram o sentido da vida, os sonhos e as esperanças. E quando eles chegam na entidade, vindo de um mundo de ilusão das drogas, são recebidos com uma festa, assim como está escrito na Bíblia que “haverá alegria entre os anjos de Deus quando um se converte”, (Lc. 15: 1-10), tendo em vista que Deus trabalha a restauração na vida de seus filhos excluídos da sociedade.
“Eu vejo uma aventura sempre nova porque nem todo mundo tem este privilégio, eu acho que é um privilégio porque sou obrigado a amar. A Casa do Menor é uma grande família, se nós não amarmos, não vivermos o evangelho, não teríamos resultados. Eu vejo um carinho de santificação porque “a mim o fizestes” é a Jesus, cada menino que chega, cada morador de rua é Jesus. Então, eu sempre faço uma festa quando eles chegam. A gente acolhe Jesus ferido, crucificado, quase morto, moribundo. E, quando você dá amor, Jesus ressuscita. Nós precisamos ser esse útero comunitário. Eu já estou quase no final da vida, este é meu caminho de santificação, juntos com outros, amando Jesus em cada pessoa, sendo presença, amor, perdoando, acolhendo, sempre com misericórdia e recomeçando, acreditando no ser humano”.
Um ato de amor presente no Brasil
A obra social de grande relevância para os filhos do abandono se expandiu em várias unidades do país, oferecendo acolhimento desde a pré-escola até os cursos profissionalizantes, além da inserção ao mercado de trabalho. E o trabalho não para por aí. Na oportunidade, durante a entrevista, o padre revelou que o sonho é cruzar as fronteiras do mundo afora. O projeto que Deus tem sobre nós é muito maior naquilo que conseguimos realizar agora. É uma obra que vai se expandir muito mais, desde que nós sejamos fiéis a Deus em abraçar o corpo de Cristo sangrento, o corpo de Jesus abandonado, e geraremos muitas vidas. Deus nos quer em lugares muito maiores ainda. Eu sinto a África no meu coração, até agora não conseguimos, mas acho que vai dar certo”.
Para o padre, é preciso entender as diferenças de vários tipos de violências que ocorrem no Brasil para chegar à solução, com o apoio do Estado em ações estratégicas de combate e prevenção às drogas e ofereça uma educação cidadã a todos de forma igualitária. “A maior violência é não ser amado, é a rejeição e isso gera outras violências. Nós vemos todos os dias as polícias entrando e matando esses garotos em nome de nada. Essas pessoas não tiveram o privilégio que temos ao lado de crianças e adolescentes todos os dias”
E o diferencial da Casa do Menor é ensinar os valores fundamentais para os acolhidos, onde se evangeliza de forma concreta e transmite o amor de Deus. E com todo o empenho, ao resgatar as vidas da marginalização, muitos se tornam voluntários e colaboradores na entidade para ser presença de família e amor para os meninos abandonados.
“Nós devemos ser a família e perspectiva de futuro. Este é o grande legado e contribuição que a Casa do Menor dá através da nossa pedagogia e espiritualidade, onde os meninos se recuperam, fazem uma nova gestação e saem daqui seres humanos regenerados, com esperança. Salvar seres humanos é a coisa mais bonita do mundo, vale a pena dar a minha vida pra salvar uma vida. Imagina centenas de vida. A Casa do Menor não transforma só menores, mas transforma adultos que estão trabalhando nela”, finaliza.
Ascom Imagineacredite