A nova condução da Política Nacional de Saúde Mental, instituída no final de 2018, não foi resultado apenas de uma troca de governo, mas também por conta de dados que foram capazes de revelar o grande desperdício de recurso público e o quanto de pessoas que sofriam com transtornos mentais passaram a superlotar os hospitais, presídios, ruas e cracolândias devido a irresponsabilidade estrutural resultante de uma condução ideológica da Saúde Mental no Brasil.
Segundo o então Coordenador Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde, na gestão do então presidente Michel Temer (MDB), Quirino Cordeiro Júnior, em discurso durante o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Nova Política de Saúde Mental, ainda em 2018, um verdadeiro caos foi encontrado por sua gestão e corroborado pela Comissão tripartite do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Dentro de um ano e nove meses, me deparei com uma situação extremamente dramática, pois o recurso público estava se esvaindo. Só em Fortaleza, por exemplo, o Ministério da Saúde aportava recurso para financiar 10 serviços que não existiam. Em Salvador, fui visitar um CAPS III bancado pelo Ministério da Saúde e que não existia. Foi então que percebi que essa não era uma realidade pontual, mas algo que acontecia em vários municípios do país, a exemplo de São Paulo, Curitiba e tantos outros.
A gente tinha uma situação de serviços cuja produção era ínfima. Os leitos para a saúde mental em hospital geral possuíam taxas de ocupação de mais de 15% e o Ministério da Saúde seguia aportando mais R$ 80 milhões para custear leitos que não serviam para nada. Nós publicamos uma Portaria que mostra que mais de 700 CAPs receberam dinheiro público para a criação desse serviço, mas não foi criado. Mais de 1 mil leitos, sendo quase 600 terapêuticos, quase 100 unidades de acolhimento, e esse pessoal que está aqui [setores da esquerda] simplesmente não se manifestavam”, discursou.
Quirino ainda lembrou que, após um levantamento, o Ministério da Saúde chegou a cancelar quase 200 obras, sendo que cada uma delas havia custado aos cofres públicos cerca de R$ 1 milhão, sem contar com o pagamento de benefícios a pessoas que já haviam falecidas. Ele ainda observou que chegou a haver uma negligência na prestação de serviços e cuidados aos pacientes com transtornos mentais, ao ponto de não ser incluído na construção das RAPs o serviço ambulatorial e psiquiátrico.
“O que acabou acontecendo é que, infelizmente, essa situação marcadamente ideológica marcou a condição da Saúde Mental no país. A falta de atendimento ambulatorial, na RAPs, acabou levando uma desassistência gigantesca no tratamento de base comunitária dos pacientes. Hoje, o Brasil tem uma taxa de 0.1 leitos para cada 1 mil habitantes. A gente tem hoje 1/3 dos leitos que nós deveríamos ter. O Brasil tem a menor taxa de leitos para internação de pacientes agudos do mundo ocidental. Isso é inconcebível”, defendeu.
Como resultado de tudo isso, Quirino destacou que o país passou a assistir de maneira inerte o aumento das taxas de suicídio, de pessoas com transtornos mentais graves em situação de rua ou detidos nos superlotados presídios, de manicômios sendo transformados em cadeia, além do aumento do uso de drogas, da expansão das cracolândias e de cidadãos jogados a própria sorte dentro de um hospital público que não lhe pudera oferecer a devida assistência por falta de leito. “Eram resultados inaceitáveis”, comentou.
E completou: “Diante de uma situação tão grave, qualquer gestor sério não poderia fechar os olhos para isso. Foi por conta dessa situação que o Ministério da Saúde, então, a época, capitaneado pelo doutor Ricardo Barros, levou esse diagnóstico pra Comissão de Gestores Tripartirdes e montou um grupo de trabalho que acabou culminando com a publicação da nova Política Nacional de Saúde Mental. Foi a necessidade premente de saúde mental para população brasileira. Foi isso que motivou! Não foi por questão ideológica, não foi blá-blá-blá, não foi conversa. Foi necessidade das pessoas que sofrem, que padecem, por problemas graves, e as suas famílias nesses últimos 30 anos. Agora, o que a gente faz é ter uma política séria, baseada em gestão efetiva com recursos públicos, com respeito e probidade com gasto público”.
Por Sérgio Botelho Junior