Walace Rodrigues: Aos 10 anos de idade conheci o amor de uma família através de dois pais sociais

A Casa do Menor São Miguel Arcanjo transforma a vida de milhares de criança, adolescentes, jovens e adultos do Brasil que vivem em situação de vulnerabilidade e abandono. Há 35 anos, a obra social leva ao menos favorecidos a palavra de Deus, o amor, a esperança e a presença de família, dando a oportunidade para cada acolhido escrever um novo capítulo em sua história. A exemplo do Walace Rodrigues, 36 anos, Coordenador Administrativo da instituição, em Fortaleza, que ImagineAcredite vai contar seu testemunho pra lá de emocionante. Quem o vê hoje não imagina as cicatrizes e superações que ele carrega dentro de seu coração.

Aos 5 anos de idade, Walace já morava em situação de rua, com a sua irmã Flávia, no centro de Nova Iguaçu, um dos locais mais violentos do Rio de Janeiro. Segundo ele, sua mãe sempre teve o vício de estar na rua. “Ela trabalhava naquela época juntando material reciclável. E como ela não tinha ninguém pra ficar comigo e com a minha irmã, ela levava a gente. E aí eu comecei a ter esse costume, esse hábito de tá na rua, através dela. E com o tempo ela ia embora e eu ficava na rua, não queria mais voltar. Comecei a fazer amizade com os meninos e acabava não querendo mais voltar pra casa. Nessa mesma época, essa minha irmã Flávia desapareceu, inclusive, até hoje a gente não tem resposta de onde ela está. Ela tinha um pouco de dificuldade mental e desapareceu no meio da multidão”, detalha.

Depois que sua irmã Flávia nasceu, a sua mãe teve mais três filhos, a Cíntia, a Bruna e o Fabiano, sendo que a Cíntia e a Bruna também estão desaparecidas e a suspeita é que tenham sido adotadas. Walace revela ainda que nunca teve contato com seu pai. O amor paterno ele sentiu só após ser acolhido pela instituição. “Eu lembro que eu ficava no box, lá em Nova Iguaçu, e a gente fazia a nossa concentração lá e também na antiga rodoviária velha, que tinha no cento de Nova Iguaçu, aonde a gente ia pra parte de cima dormir lá. Quando era noite, algumas vezes na semana, o padre Renato ia lá com um grupo de pessoas, pra entregar sopa, pra conversar com a gente, pra nos encontrar. E sempre ele queria levar a gente pra Casa do Menor. Algumas vezes ele levava, a gente fugia, depois voltava e ficava nessas idas e vindas”, conta Walace sobre seu primeiro contato com o padre Renato.

“Quando completei 10 anos mais ou menos, voltei pra Casa do Menor. E aí, encontrei um casal de pais sociais que me fizeram ver a Casa do Menor de uma forma diferente e sentir realmente a família ali na Casa do Menor. Então, eu passei a não querer mais ir pra rua e não sentia mais a vontade de me drogar. E comecei a fazer com que aquele casal fosse uma referência de pai e mãe pra mim, no caso é o Élder e a Tereza. Eles eram referência de pai e mãe pra todas as crianças que estavam ali. Então, eu comecei a fazer essa referência com eles e acabei não querendo ir mais pra rua”, lembra.

Na época, ainda não existia a pedagogia presença escrita, mas o padre sempre dava ensinamentos sobre a forma como agir tanto com os colaboradores, quanto com os acolhidos. “A gente já sentia que tinha a presença verdadeira naquele casal. Então, isso nos atrai e fazia com que nós quiséssemos retribuir de uma certa forma aquilo que eles estavam fazendo pela gente. E aí com o passar do tempo eu comecei a participar dos movimentos da igreja, a ser coroinha, a querer ir pra igreja pra dar testemunho, pra ajudar outras pessoas”, diz.

E com esse desejo em ajudar ao próximo, ele participou, em 2000, de um evento, em São Paulo, chamado “Nós Meninos do Mundo”. “Meninos, jovens de vários países que tinham dificuldade como o Brasil, se reuniram no ideal de querer ser protagonista da sua história e ajudar outros a serem protagonistas das suas próprias histórias. E a partir dali, daquele evento, onde a gente pôde passar por alguns dias de formação, de conhecer outras realidades, aquilo ficou muito forte em meu coração, na época eu tinha 14 anos. A gente participava também junto do Movimento dos Focolares”, recorda Walace, que ficou emocionado quando o padre Renato o colocou como exemplo.

“Em um retiro que o padre Renato fez com a gente, ele dizia que nós já estávamos preparados como o Elder e a Teresa, os pais sociais, pra ajudar outros meninos que precisavam. E eu lembro que no dia ele dando o tema pra gente, ele me colocou como exemplo na casa. E ele falou, “Wallace já sai pra dar testemunho, já sai pra ajudar, já é coroinha. Vocês também deveriam já começar a fazer isso”. E aquilo ficou muito forte. Aquela referência que o padre Renato fez pra minha pessoa, ficou muito forte. E aí, no ano seguinte, a Casa do Menor saí em missão pra Fortaleza. Na época, não tinha pretensão de começar nada, nós íamos emissão pra conhecer o terreno cedido pelo pessoal da Fazenda da Esperança, Frei Hans e pelo Nelson”, afirma.

Ao chegar em Fortaleza, o grupo de jovens e o padre Renato começaram a evangelizar, além de conhecerem a realidade do local e, com um detalhe, sempre acompanhados do jovem cearense Taciano. “Após a inauguração tinha a proposta de a gente retornar pro Rio de Janeiro no ônibus. Um dia antes, o padre chamou a gente pra conversar e lançou a proposta. Nesse período, que a gente estava lá, apareceu o Taciano, que tinha 14 anos, que ficava nos acompanhando. Ele encontrou a gente na Praça do Ferreira. E o padre Renato fez uma pergunta pra gente, “e agora, o que vamos fazer com o Taciano? A gente não pode levar ele. E aqui também ele não tem onde ficar. Quem de nós gostaria de ficar pra poder começar um trabalho aqui e ajudar o Taciano e outras crianças aqui de Fortaleza”, descreve Walace sobre o ponto inicial para fundar a Casa do Menor no Ceará.

“Na época eu tinha 15 anos, levantei a mão, pretensiosamente, não achava que ia ser escolhido. Levantei a mão porque ficava muito forte dentro do meu coração aquilo que o padre falou um ano antes, a referência que ele tinha feito de mim. E aí outras pessoas também levantaram a mão. Quando foi no dia seguinte o padre Renato chamou a gente pra conversar, perguntou se realmente a gente tava disposto a largar a família no Rio de Janeiro, largar tudo, todas as coisas que pensava em construir, tudo, pra tá começando o trabalho lá. E aí eu falei que estava disposto. E eu fui escolhido pelo padre junto com mais dois jovens, o Luiz Fernando e o Piratan. E nessa época nasceu a minha frase, que eu sempre dizia quando ia dar testemunho pros jovens: “Que eu me sentia como filho do abandono e agora o pai dos abandonados”. A minha missão era ser pai daqueles filhos que não tinham pais”, relata.

E ao embarcar nessa essa experiência de amor, Walace disse que é uma forma de retribuir o que recebeu na Casa do Menor, de ser presença para outras pessoas. “A gente deu início ao trabalho com o Taciano, depois chegaram outros jovens e voluntários da paróquia que nos ajudaram a dar início ao trabalho. Depois a gente começou acolher outras crianças também. A gente teve que contratar outras pessoas também, outros pais sociais pra nos ajudar”.

Hoje, a filial está com 30 crianças acolhidas e tem capacidade para oferecer cursos para 300 jovens. “A gente tem uma creche, a gente não coordena a creche, mas o espaço é nosso, onde a creche acolhe uma faixa etária de 120 crianças no período integral, de manhã até a parte da tarde. Nós temos também Fortaleza duas casas lá dentro do condomínio espiritual, onde está emprestado pra obra Lume, na qual cada Casa acolhe cerca de 15 a 20 adultos, que são ex-moradores de rua e que hoje eles passaram pelo processo de recuperação e tão ali pra fazer a sua reintegração”, explica.

Ressignificar é ter coragem para mudar

E o amor recebido pela Casa do Menor e a presença de família, permitiu que Walace desse um novo rumo em sua vida. Saiu com 10 anos das ruas de Nova Iguaçu e, aos 36 anos, é formado em Recursos Humanos, pós-graduado em Gestão de Pessoas e está no segundo semestre da Faculdade de Serviço Social, que sempre foi seu sonho.  Na instituição ele fez os cursos de marcenaria e informática. Casado há 10 anos com Miriam Veríssimo e pai de Isadora Rodrigues, ele sentiu que ainda faltava algo para estar em paz consigo.

“Através da presença de amor que eu senti e sinto na Casa do Menor, a gente consegue ressignificar as feridas que estão no nosso coração e a gente consegue ofertar verdadeiramente aquilo que a gente não tem. Porque através da minha presença, através do meu amor, eu consigo ofertar e consigo fazer com que aquele acolhido se sinta amado, valorizado, porque o principal de tudo é a gente conseguir ressignificar o nosso passado, se não a gente fica preso. E eu tenho um dado pra colocar, que tá fazendo muita diferença pra minha vida, nesse momento. Desde quando eu comecei a entender as coisas, eu passei uma mágoa muito grande em relação a minha mãe pelo que aconteceu, pelo abandono, por todo o afastamento que eu tive dela e tudo, pelas escolhas que ela fez no passado e tudo. E eu não conseguia ressignificar isso”.

“Eu tinha uma mágoa muito grande dentro do meu coração, que eu não conseguia me aproximar da minha mãe, de fato, de coração. E, infelizmente, ela adoeceu, no começo do ano, e verdadeiramente eu consegui ressignificar isso, aquilo que eu tinha vivido no passado em relação a ela. E hoje a gente conseguiu se reaproximar. A gente tá conseguindo fazer uma reaproximação mesmo distante. Eu estive lá no mês passado, consegui conversar com Érico. Então, eu tô me sentindo mais livre hoje, através desse amor que eu consigo demonstrar pra ela hoje, dessa presença que eu consigo ser pra ela hoje’, observa.

Questionado sobre o que representa a Casa do Menor e a família Vida, ele responde que a acolhida é primordial para a vida de qualquer ser humano. Eu acho que se não fosse a Casa do Menor, se não fosse a Família Vida eu não estaria aqui hoje. Aquela pequena acolhida que eles fizeram comigo, lá no centro de Nova Iguaçu, sem me conhecer, sem saber quem eu era, de estender os braços pra mim, mesmo eu sujo, fedorento, eles me abraçaram, me acolheram, a partir dali eu consegui dar um sentido diferente pra minha vida. Hoje eu sou um missionário da Casa do Menor, inclusive, estou em missão agora indo pra uma outra filial, depois de 20 anos em Fortaleza, pra ser presença e ajudar, pra colaborar. A minha a família toda vai comigo”.

E ele confidenciou um dos seus maiores sonhos. “Um grande sonho que eu tenho, seria algo que fecharia esse ciclo, de reaproximação com a minha mãe, com a minha família, de ter ressignificado, todo o meu passado, toda a minha infância, seria a gente conseguir reencontrar as minhas irmãs. São três irmãs desaparecidas e um irmão, a Flávia, Cíntia e Bruna, e Fabiano. As irmãs a gente não sabe notícias delas, eu acho que por volta de 25 a 28 anos, e o irmão, a gente não tem notícia há uns 7, 8 anos, que ele desapareceu. Esse é um sonho”, finaliza.

Ascom ImagineAcredite

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