Stefio Vieira: de filho do abandono ao pai dos abandonados

A Casa do Menor São Miguel Arcanjo, que completa 35 anos em 2021, é uma instituição séria, recheada de amor e acolhimento, em que ser família é o lema principal. A obra fundada no Rio de Janeiro, pelo padre Renato e Lúcia Inês, é referência em todo o Brasil oferecendo a crianças, adolescentes, jovens e adultos em situação de vulnerabilidade uma nova oportunidade de serem protagonistas de sua própria história. E o sucesso da obra social é tanto, que em Fortaleza, Ceará, tem uma unidade que resgata vidas dos meninos nas ruas, ajudando-os a sonhar. É o caso do Stefio Vieira, que a ImagineAcredite vai contar a história.

Hoje, ele está na instituição há 16 anos. Mas sua vida não foi fácil, enfrentou vários desafios até conhecer a instituição. Ele, que morava no Bairro Boa Vista, no Ceará, já era atendido por um outro projeto social, onde despertou o interesse pela área social. Esse projeto que funcionava no estacionamento da Arena Castelão e atendia crianças e adolescentes das comunidades carentes “Pessoal das favelas lá. Pessoal que vivia abaixo da linha da pobreza, que teve dificuldade financeira, de alimentação em casa, que passava fome mesmo”, pontua.

Nesse meio tempo, ele relata que a comunidade descobriu que a Fazenda Uirapuru foi doada para uma obra social, para construir o Condomínio Espiritual Uirapuru Céu. Foi nessa época que a Casa do Menor chegou no Ceará para construir um ambiente familiar com a presença de uma mãe e um pai social, além de oferecer cursos. “Quando a Casa do Menor chegou no Condomínio Espiritual, eles abriram seleção para uma aldeia da criança, que era um abrigo, um complexo que tinha cursos, projeto de cultura, esporte e lazer, acolhimento”, lembra. Durante esse período, Stefio sentiu a vontade de participar do processo seletivo para trabalhar na instituição, porém ele não passou, mas o destino dele já estava traçado para ajudar os meninos de rua.

“Eles fizeram essa entrevista durante um mês, a gente tem que fazer a teoria e a prática também. E aí, em dezembro, eles deram resultado de todos os colaboradores que iam participar do quadro de funcionários. Porque quando eu saí do outro projeto, eu já percebia que eu estava em outro momento da minha vida, eu já queria ser um educador, já queria tá envolvido ajudando a criança, adolescente, na área social. O Padre Renato me levou algumas vezes pra rua. Eu queria sair da linha da pobreza porque eu já não aguentava mais ficar naquele mundo. Então, era mundo com droga, os meninos precisavam se prostituir, a gente tinha que se vender pra comprar comida. Então, algumas vezes também a gente ia no mercado pegar lixo pra poder a gente comer, então eu tava nessa lista”, recorda Stéfio, que garante que quando a Casa do Menor chegou, ele sentiu muito forte o chamado.

“E aí, quando a Casa do Menor chega lá, que faz esse momento de entrevista, eu vou lá, sem nenhuma experiência, nunca tinha trabalhado com isso. Fiz a experiência da entrevista do processo de um mês. E no dia do resultado, eles chamaram todo mundo, psicólogo, assistente social, educador, educador de rua, pai social, mãe social, professor de capoeira, enfim. E eu não estava nesses nomes aí, em nenhum. Eu fiquei com muita vergonha, porque eu fui reprovado. Então, já me senti de novo um lixo, como eu já me sentia antes. Já senti que eu tinha que continuar lá naquele bairro porque eu não era capaz de nada. Foi quando acabou a entrevista e o padre Renato e a Lucinha, eles tavam conversando, no espaço isolado do povo”, diz emocionado.

Ele foi embora por trás, quando Lúcia Inês, conhecida carinhosamente como Lucinha, o viu e chamou para conversar. “Ela tem a deficiência visual, mas naquele momento ela usou olhos de Deus. E aí os olhos de Deus muito atento, quando eu passei por trás dela, eu não sei como é que ela conseguiu me ver, porque era à noite, 9h horas da noite mais ou menos, muito escuro. Aí ela pega no meu braço, aí fala assim, “Boa noite, meu filho, você vai pra onde?”. Aí o padre olhou pra mim, e falei assim, “eu vou pra casa, porque eu não passei”. Aí ela perguntou por que não saiu por outro lado. Aí eu falei, “porque eu tô com vergonha”. Aí ela, “mas lá foram selecionados os funcionários. Os vocacionados não foram selecionados”. Então, o vocacionado tem um chamado. Toda vez que eu falo isso, me emociona. Porque é um momento muito forte na minha vida”, destaca.

E a palavra vocacionado deu um novo caminho e sentido para Stefio, que no ano seguinte, ele foi contrato para ajudar milhares de crianças e adolescentes que vivem nas ruas do Ceará. E já são 16 anos de trabalho, que começou lá em Fortaleza. Depois, surgiu o convite para ele ir ao Rio de Janeiro para continuar o trabalho social. “Então, o padre, toda vez que ia lá, me dava dica. O padre foi um dos maiores educadores de rua que eu conheci na minha vida. O padre Renato começou lá com os meninos da rua e até hoje ele faz isso. E aí eu peguei essa experiência com ele. E aí aqui no Rio ia ter uma campanha de meninos de rua, ele perguntou se eu não queria passar seis meses aqui. E aí eu me preparei. Vim pro Rio, passei os seis meses lá em Copacabana, pra abordar os meninos na rua, com o acolhimento da vida, de acolher a criança e adolescentes que precisam da presença de família na rua”, descreve.

Quando acabou o período de seis meses, ele tinha que retornar para a Casa do Menor no Ceará. Foi quando o Padre Renato estendeu o convite para ele trabalhar no setor cultural da instituição. “O padre Renato e a Lucinha são pessoas sábias. E aí eu falei, tá, mas qual seria a ideia de vocês? Aí ele falou assim, eu acho que você deveria animar a área cultural da Casa do Menor, porque a gente tem que juntar um pouquinho de cada coisa. Eu trabalhei também no desenvolvimento comunitário aqui, eu já conhecia um pouco o CIDA. Então, você tem que levar também essa família pros meninos da comunidade, porque não só os meninos de rua que precisam, os meninos também da comunidade precisam dessa presença de pai e mãe aqui, em Miguel Couto”, explica Stefio, que descobriu seu chamado de levar arte, a cultura e o esporte para as crianças, adolescentes e jovens, por meio da arte de amar, de forma diferente.

Segundo Stéfio, as crianças que chegam na Casa do Menor, que são acolhidos, significa um pedido de socorro, pois as famílias e as crianças estão querendo algo diferente. “E aí eu preciso me colocar como pai. Eu fui filho do abandono, essa frase é antiga na Casa do Menor, mas eu gosto muito dessa frase. Eu fui filho do abandono e hoje sou pai dos abandonados. Então, esse sentimento que eu tenho, que eu preciso, independentemente de qualquer problema, das minhas fraquezas, eu preciso estar bem para acolher aquelas famílias, os jovens, as crianças feridas que vem pra gente, porque eu sou da Casa do Menor. São os filhos do Brasil, são os filhos da Casa do Menor”.

Ao ser questionado sobre a importância da Casa do Menor em sua vida, ele é enfático ao afirmar que representa a coisa mais importante. “Se não fosse por ela, eu acho que eu não seria essa pessoa que eu sou hoje. Quem me conhece do passado sabe como é que eu era. E hoje, eu consigo enxergar essa minha mudança, tudo graças a Casa do Menor. Porque a Casa do Menor me deu dignidade, ela me deu a oportunidade de viver de verdade”.

Ascom ImagineAcredite

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