Salve A SI: A comunidade terapêutica onde o amor e a vontade de vencer as drogas é exigente

No dia 22 de agosto de 2000, o ex-dependente químico José Henrique França, fundou a comunidade terapêutica Salve A Si na Cidade Ocidental, em Goiás. A obra foi resultado de uma luta pessoal do mesmo em si livrar da dependência química e do seu grande desejo de ser pai, tendo em vista que ele vivia aprisionado no mundo do narcotráfico e chegou a ser impedido até os dias atuais de entrar na França. Tudo por conta da droga.

“Quando me encontrei em situação de rua, já com múltiplas tentativas de suicídio, com depressão, com a esposa grávida e a única ponta que me fazia querer sair da droga era o fato de que eu queria ser pai foi que eu pedi ajuda. Então pedi ajuda, me tratei e fui trabalhar com dependência química, porque sabia que era o único jeito de eu não morrer desmoralizado no uso”, relembra França.

Diante disso, a reportagem de Imagineacredite foi conhecer a unidade da Salve A Si em Cidade Ocidental. Por lá, quase 120 dependentes químicos estão em processo de reabilitação, sendo que mais de 5.000 pessoas já recorreram àquela unidade para sair da escuridão proposta pelas drogas e viver uma vida cidadã. “Acredito que cerca de 20% continuam em sobriedade plena hoje”, estima o fundador de Salve A Si.

Em entrevista ao Imagineacredite, José Henrique França destacou que na mencionada CT o tratamento terapêutico em dividido em alguns módulos que incluem os famosos 12 passos, usado pela Pastoral da Sobriedade e dos Alcoólicos Anônimos. Segundo ele, tudo começa por uma triagem que se transforma numa entrevista motivacional caso os profissionais entendam que o dependente realmente quer se livrar do vício.

A partir daí é agendado a sua internação voluntária e ele é colocado em observação, a fim de evitar um óbito que pode ser causado pelo corte total do consumo de substâncias psicoativas, a exemplo do álcool. Em seguida, entre cinco ou seis dias, ele é levado para os quartos juntos aos acolhidos que estão em recuperação há mais tempo. Eles são chamados de “Anjos de acolhimento”, por servirem de guia para os recém-chegados.

Além disso, eles ingressam no Grupo de Apoio ao Acolhido (GAR), composto por acolhidos que está há mais tempo na caminhada e que sabem serem líderes de maneira humilde e que, consequentemente, ajudam a equipe multidisciplinar no contato com os novos acolhidos. “Tem o Adir, que é um texto dos 12 passos que eles ganham de presente, depois eles vão estudar a Carta de Sofrimento, onde eles vão elencar toda a vida deles de 7 em 7 anos dizendo o porquê que eles estão aqui.

Depois é feita a queima simbólica, até que ele é mergulhado no tratamento terapêutico com um profissional especializado para cada novo passo. Eles têm uma coisa bem legal no tratamento terapêutico que é os 12 passos simplificados, voltado para aqueles que têm uma capacidade cultural um pouco abaixo dos outros, para que eles não se sintam excluídos e não atinjam a meta também. Depois tem o Programa de Prevenção à Recaída, o plano de metas e a reinserção social. E durante todo esse processo, o Sistema S caminha com a gente, graças a uma parceria que já vai em oito anos e que só em fevereiro já realizou os cursos de: alvenaria, construção, elétrica, e manejo de melancia”, completou Henrique França.

Na unidade da ONG Salve A SI, os acolhidos também são ingressados em atividades que inclusão. De acordo com Henrique, elas são desempenhadas levando em consideração a afinidade do acolhido com cada uma das áreas ali disponíveis. “O dependente químico é tão marginalizado pela sociedade que ele acaba se sentindo um nada. Tanto é que muitos chegam e nem olham pra gente, então a gente procura saber o que é que inclui ele em alguma atividade. Então são atividades inclusivas, onde é ele deixa de pertencer a nada para pertencer a algo.

Por exemplo: tinha um menino aqui que ninguém conversava com ele e aí falavam que tinha que dar alta pra ele. Eu falei que não e que iriamos deixá-lo solto na fazenda e que iríamos observar de longe. Aí botei um menino, que dizia que era especialista em ser fogueteiro na favela e que era bom em observar, para acompanhar o Miguel [Nome fictício] e passar as informações por rádio. E o Miguel saiu andando e de repente o fogueteiro me chama e quando vou ver, ele estava deitado no chão com um potrinho recém-nascido deitado no peito dele, com ele dando risada e a mãe balançando o rabo. Então aquele menino passou a cuidar dos cavalos sem nunca ter tido contato com cavalos. Então a comunidade terapêutica tem essa coisa divina e espiritual que permite a pessoa poder se achar e se sentir pertencendo a algo”, argumenta.

Além disso, na CT Salve A Si, todos os dependentes são tratados por igual independentemente do vício ou do passado de cada um. Lá, é o espaço onde barreiras são quebradas e os preconceitos caem por terra. Sem contar que as famílias devem participar dos grupos de mútua ajuda de Amor-Exigente, os quais já receberam mais de 15 mil famílias que de alguma forma sofreram com o flagelo da dependência química.

A CT é de encher os olhos, tanto que conta com parcerias com o Governo Federal, via Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, o Governo do Distrito Federal e o Governo do Estado de Goiás. Juntas, essas parcerias resultam em mais de 130 vagas financiadas para quem quer se livrar da drogadição. “Nós estamos aqui para amar os outros como o pai nos ama. Só assim a gente vai conseguir evoluir enquanto sociedade e como pessoa e a comunidade terapêutica é o celeiro disso”, salienta.

Esse reconhecimento por parte dos governos, em especial do Federal, é resultado da nova Política Nacional Sobre Drogas e da intervenção da Senapred, secretaria em que Henrique França defende a manutenção das suas atividades diante da mudança de comando no Ministério da Cidadania. “A Senapred veio para fortalecer a única política que a gente sabe que realmente não vai deixar tantas vidas serem ceifadas num país que hoje vive uma pandemia”, justifica.

E completa: “Se o presidente Bolsonaro e o novo ministro Ônix entenderem o papel da Senapred para a sociedade, eu acredito que ela vai poder prosseguir com essa política nova que é inclusiva e verdadeira. Se continuar dessa maneira, a gente não só vai reduzir o consumo de substâncias psicoativas, como também a demanda por elas, porque é melhor prevenir hoje do que tratar amanhã. Então eu acredito muito no que a Senapred está fazendo e acredito que o presidente e o novo ministro vão entender isso”.

Os interessados em ingressar numa CT da Salve A Si podem recorrer a um encaminhamento do CAPs ou realizar a triagem na Igreja Nossa Senhora das Mercês e Sagrado Coração de Jesus, no Plano Piloto, ou na “fazenda” de Cidade Ocidental. “O que a gente pede é que venha com o desejo real e sincero de se recuperar. Para nós não importa o que o adicto fazia, mas o que ele quer fazer com o problema dele”, ressalta.

Por Sérgio Botêlho Júnior

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