Por conta do álcool em família, neto de ex-ministro vai do céu ao inferno

Como já é conhecido em todo o Brasil, o álcool é uma das principais portas de entrada para o mundo nefasto das drogas e essa porta está pode estar aberta em qualquer família brasileira, da mais abastada a mais miserável. José Henrique França, fundador da ONG Salve a Si, o exemplo vivo desta cruel realidade proporcionada pela dita droga lícita que assim como em muitos lares, era consumida despudoramente dentro em seu seio familiar.

Para se ter uma noção disso basta-nos voltar há cerca de 40 anos, quando do nascimento de José Henrique França. Ele nasceu em uma rica e importante família de Brasília, composta por um pai e uma mãe que possuíam laços com o renomado e saudoso arquiteto Oscar Niemeyer, e mais dois irmãos. Sem contar que é neto de um ex-deputado federal e ex-ministro muito próximo do ex-presidente Juscelino Kubistchek. Até aqui, qualquer cidadão poderia pensar que ele cresceu em um ambiente de relativo conforto e estabilidade, mas a história conta o contrário.

Em entrevista ao Portal Imagineacredite, José Henrique lembrou que foi criado num ambiente repleto de maus exemplos. “Ela [a infância] foi marcada por traumas, crescendo em um ambiente de risco, e não em um ambiente de proteção. Não faltava o amor da família, mas era onde o álcool (droga lícita) sempre foi consumido em abundância, dando um mau exemplo”, relembra França, que vivia embriagado, inicialmente, com o álcool presente em um medicamento voltado para a estimulação do apetite, que seus irmãos se recusam a tomar.

Sendo assim, França cresceu com uma personalidade revoltada. Quando adolescente, não gostava da escola e nem do convívio social com crianças da sua idade, pois gostava de andar com os mais velhos. Até que as coisas pioraram ainda mais quando conheceu a maconha aos 11 anos de idade, graças a uma prima. “Daí em diante foi escada abaixo, eu não conseguia mais estudar, não conseguia mais viver com os amigos”, destaca.

Adepto da Cannabis, entre seus 13 e 14 anos a situação se complicava, até conhecer a cocaína aos 15 anos. Apesar disso, ele conseguiu ingressar na universidade aos 18 anos, depois de passar pelas melhores escolas do país. Mas foi justamente por conta do último entorpecente que interrompeu a sua permanência nos bancos do ensino superior, devido a uma internação forçada promovida pela sua família, em ato de desespero. Uma vez que seu convívio familiar era péssimo, como avaliou à nossa reportagem.

“Minha família era hipócrita. Na minha casa podia beber à vontade, mas substâncias ilícitas para eles era coisa de vagabundo. Eles diziam: “Você está me matando de vergonha!”, “a gente não quer filho assim!”. Então, aos 18 anos, eu abandonei a faculdade e fui internado à força, lá em Atibaia-SP. Foi numa clínica particular caríssima. Eu fiquei lá um mês e sai, fiz uma fuga geográfica e fui morar nos Estados Unidos com meu irmão”, rememora.

O ingresso no mundo do crime

Após poucos meses exilio no Havaí, a escala de José Henrique no mundo das drogas volta a crescer. Uma vez que resolve retornar ao Brasil para mergulhar profundamente no crack. Nesse ato, aos 19 anos, ele passa a cozinhar cocaína para revender e adquirir as suas pedras, o que deixou sua família ainda mais assustada, pois ele mesmo afirmava não ter problemas com drogas. “E nesse inferno, eu fui expulso de casa, porque meus pais falaram: “Olha, a gente te ama, mas se você quer morar com a gente, você não pode fazer uso de drogas. Você precisa parar de usar. A gente quer te mandar de volta pro tratamento, mas a gente quer que você peça ajuda”, e eu falei que eu não precisava de ajuda pra nada e que não aceitava ser internado novamente.

Então fui expulso, porque eles acreditavam que eu sendo expulso, eu iria me sentir no fundo do poço e iria pedir ajuda. Mas, infelizmente, o inimigo é sádico, cruel e muito astuto. O inimigo fez com que eu fosse encontrar com traficantes que sabiam que eu já havia morado fora, que eu falava mais de um idioma e me entrevistaram para que eu fosse trabalhar com eles no tráfico internacional. Então eu comecei a fazer tráfico internacional de drogas: De São Paulo e Rio de Janeiro para a Europa, e da Europa de volta para o Brasil. Eu trabalhava, principalmente com drogas sintéticas e cocaína. Daí eu comecei a ter uma vida de pseudo status, porque era um fundo de poço, vazio muito grande, afastado de Deus, destruindo a minha vida e a minha família, completamente irracional, vivendo a violência e tudo o que o universo da droga propõe na vida de quem usa. E isso se alastrou”, diz.

José viveu neste ambiente por nove anos, até que em 2003, aos 28 anos de idade, foi preso com 15 kg de cocaína, no Aeroporto Charles De Gaulle, em Paris. De lá, as autoridades francesas o condenaram a 15 aos de prisão em regime fechado, mas uma apelação reduziu a pena para 07 anos, sendo que só chegou a cumprir três anos e dez dias de detenção. Contudo, nesse intervalo, ele recebeu pouquíssimas visitas de familiares.

A saída do mundo da violência

Foi ainda no presídio do outro lado do oceano, que ele teve que lutar por sua vida na primeira unidade prisional, até que foi transferido para outro centro de detenção situado a oeste da França. Nesse novo local, José começou a ler as sagradas escrituras e a realizar estudos sobre o evangelho de Jesus, além de voltar a frequentar missas. “Hoje, eu reconheço que a maior dificuldade foi lidar com a abstinência, mas sou muito grato à prisão, porque a prisão me colocou freios. […] e mesmo fazendo o uso da Cannabis lá dentro, eu buscava a minha redenção, o perdão e a minha mudança”, observa.

E completa: “Eu tive o que mereci, de fato. Mas é importante observar que um dia antes de fazer essa última viagem, eu falei pra Deus que eu não queria mais aquela vida. E Deus atendeu ao meu pedido. Fui preso e essa foi uma maneira de eu não morrer”. Entretanto, a seu retorno à sociedade não foi um mar de rosas, mas sim de revolta, vergonha, rebeldia e recaídas. Tanto é que ele retornou para o tráfico de drogas, mas tudo acabou quando teve a sua existência ameaçada por uma investigação da Polícia Civil de São Paulo aliada ao medo de perder sua esposa e filha que ainda iria nascer. Isso o levou a uma fuga para Brasília.

“A minha esposa engravidou da nossa primeira filha e eu tive uma recaída no crack muito forte, me colocando numa situação de rua, na cracolândia onde eu trabalho, que é o “Buraco do Rato”. Quando num dia, eu senti o risco eminente de morte, eu vi que ia morrer. Então voltei para casa, encontrei a minha mulher quase tendo um aborto espontâneo, sofrendo muito, e ela e meu pai falaram comigo que a minha filha nem havia nascido e como é que eu seria pai dela desse jeito? “Você precisa pedir ajuda!”

O recomeço que ajudou a salvar milhares de vidas

Foi no dia 20 de novembro de 2008 que eu aceitei ajuda. Fui para uma Comunidade Terapêutica e, chegando lá, eu descobri que a minha dor era pequena se comparada com a dor de outros que lá estavam: Um pai que perdeu um filho assassinado e se tornou alcoólatra devido a isso, outros que viviam em situação de extrema pobreza, e eu me sentia muito tocado. Eu chorava muito de piedade deles, e eu não conseguia mais me preocupar comigo, eu só conseguia me preocupar com o meu irmão, só conseguia me preocupar com o meu próximo”, rememora.

E foi com estes sentimentos que ele concluiu o seu tratamento terapêutico quatro meses depois. A partir daí, José Henrique, tocado pelos sonhos e pela presença divina, resolve aceitar Jesus e a missão que lhe foi incumbida: resgatar vidas recuperadas pelas drogas. Com isso, ele busca se qualificar na Federação Brasileira das Comunidades Terapêuticas (FEBRACT), onde realiza um curso técnico para diretor, gestor, monitor e coordenador de CT; retorna a Brasília; retira a ONG Salve a Si do cartório e a instala na mesma fazenda que o recuperou, nos arredores do Distrito Federal.

“Nos mudamos com a nossa filha e com mais 20 moradores de rua, numa mesma casa, a única que tinha na fazenda. Então reformamos um canil, e transformamos esse canil na nossa casa. E lá, nós vivemos por 7 anos. O projeto ia se desenvolvendo, então a gente conseguiu comprar a fazenda, colocar no nome da entidade, e hoje é um trabalho que já atendeu milhares de jovens, os familiares”, comemora.

Atualmente a Salve a Si dispõe de 140 vagas e acolhe 120 dependentes químicos do sexo de masculino. Lá, o tratamento terapêutico é realizado de maneira a não infringir o livre arbítrio de cada acolhido que contam com tudo o que José não contou: amor, companheirismo, trabalho e qualificação profissional visando a sua reinserção social. Segundo ele, a ONG é o meio que encontrou para compensar as milhares de vidas que ajudou a desgraçar por meio do tráfico.

Uma história de exemplo

A história de José Henrique França tinha tudo para não ser desta forma. Entretanto, ela serve de exemplo para as milhares de famílias espalhadas pelo mundo. Como ele bem lembrou, não basta que um lar seja repleto de amor se este conta também com drogas lícitas. “O álcool é o chefe da quadrilha. É a partir do álcool que tudo de ruim acontece. […] não adianta buscar educar seus filhos com amor e com carinho, se dentro do próprio lar o consumo do álcool é tão normal, tão cultural”, pontua.

Sendo assim, além do alerta que esta reportagem deixa para as famílias, cabe lembrar que o Governo Federal, baseado na nova Política Nacional Sobre Drogas, dará início ao combate ao álcool nos próximos dias, como garantiu o Dr. Quirino Cordeiro Jr., Secretário Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas. O objetivo é que fechar as portas que são abertas pelo álcool.

Por Sérgio Botêlho Júnior

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