Nesta terça-feira, 17, o Portal Imagineacredite traz uma entrevista exclusiva com o Pastor Galdino Moreira Filho, fundador da segunda comunidade terapêutica do Brasil, a Desafio Jovem de Brasília. Com 94 anos de idade, ele teceu importantes observações relativas ao trabalho das CTs, o processo de expansão dessas e as políticas públicas referentes às mesmas.
Além disso, nessa entrevista, você vai ver um homem que, apesar da idade, ainda está lúcido. Por isso, nesta entrevista, você o verá criticar o proselitismo religioso demasiadamente exagerado que é praticado por algumas Comunidades Terapêuticas, bem como elogiar o processo de expansão dessas entidades, que em sua ótica são bastante produtivas.
Amigo íntimo do saudoso padre Haroldo, você ainda verá o pastor relembrar momentos da sua convivência com o centenário sacerdote, que ajudou a fundar a primeira CT do Brasil e que hoje é conhecida por Instituto Padre Haroldo. De acordo com ele, a relação era de irmãos íntimos, onde as diferenças religiosas eram respeitadas e acima de tudo debatidas.
Ademais, você vai entender o porquê deste abnegado aos dependentes químicos ter abandonado a docência para cuidar daqueles que estavam no fundo do poço por causa das drogas. Tudo isso, de acordo com ele, foi fruto de um chamado de Deus, após sua mulher conseguir a milagrosa cura da Lúpus, uma doença inflamatória autoimune, que pode afetar múltiplos órgãos e tecidos, como pele, articulações, rins e cérebro, e levar a morte nos casos mais graves.
Confira a entrevista na íntegra:
Imagineacredite: Quem é o homem e o pastor Galdino Moreira Filho?
Pastor Galdino Moreira: Galdino é um homem normal. Professor dedicado à educação desde os 19 anos e servo do senhor. Na faculdade, eu comecei lecionando história, depois passei a ser titular de antropologia. Então me dedicava inteiramente a isso, mas Deus dizia: “Te quero ali!”. Da primeira vez, eu fiquei calado e nem contei a minha mulher, mas na segunda vez eu pulei da cama, suado, e minha esposa levou um susto. Ela perguntou o que era que tinha acontecido e eu falei que tinha tido um sonho e que tinha uma voz que dizia sempre “Eu te quero ali”. Ali aonde, Galdino? Aí comecei a descrever pra minha mulher e ela disse que era Deus falando comigo. Eu duvidei, mas aí ficou claro que era ele.
IA: Esse chamado ocorreu após a cura da sua esposa?
PGM: Exatamente. Eu não sabia o que fazer, porque não entendia nada de droga, mas ela disse que ele me daria os meios e aí comecei. Como eu tinha uma certa liderança na igreja, já que meu pai é pastor e eu fui criado lá, comecei a chamar alguns irmãos e contei a história para eles e disse: “Olha, se eu tiver o apoio de vocês, eu fundo uma instituição pra gente começar um trabalho com os drogados”. Todo mundo aprovou e nós elegemos uma diretoria.
‘Qual é o nome da entidade?’ Ai o pastor da Igreja Metodista levantou e disse: ‘Eu sugiro o nome Desafio Social de Brasília’. O nome foi aprovado e nós fundamos o Desafio Social de Brasília. Já na eleição da diretoria todos pensaram que eu era presidente, menos eu, justamente por conta da história que havia contado. Resultado: fui eleito presidente e começamos a trabalhar.
IA: Como foram os primeiros dias?
PGM: Lembro-me que nos primeiros meses estava tão entusiasmado, que vinha para a Asa Norte a noite e fazia comícios sobre o programa de drogas. Esse tema é muito forte e quando eu comecei a falar, comecei a receber o apoio de famílias, que aplaudiam, de pastores e o Pastor David Wilkerson falou que eu deveria ficar com o Desafio. E aí alguns jovens começaram a jogar a droga sobre o tablado e ficou a pergunta: O que nós vamos fazer com eles? Nós tínhamos que internar para que eles ficassem livres das drogas.
IA: Então o senhor buscava esses jovens através desses comícios?
PGM: Isso mesmo. Ai o próprio pastor Evaristo decidiu me ajudar e eu dei uma entrevista ao Correio Brasiliense e no dia seguinte, o Esaú de Carvalho apareceu lá no escritório e disse que ficou admirado com minha entrevista e que estava pronto para me ajudar. Então eu lhe disse que minha única dificuldade naquele momento era no local, pois os jovens aceitavam Jesus e eu não tinha onde colocá-los. Aí ele disse que eu não precisaria mais procurar, porque ele já tinha. Era uma Chácara em Park Way. Ele me levou lá e o lugar era maravilhoso. Tinha piscina, árvores, um caseiro e uma casa vazia, então ele disse: ‘Esse aí é o seu lugar’. Então eu disse que não podia pagar, daí ele disse: “É um ano de graça para você. Eu quero trabalhar com você, eu quero te ajudar”. E foi assim que começamos o nosso trabalho.
IA: O trabalho de comunidade terapêutica há tempos era visto sob muito preconceito social. Por isso, o senhor enfrentou muitas barreiras para fundar e manter a Desafio Jovem de Brasília?
PGM: O preconceito era contra o problema das drogas, pois as famílias tinham medo de que os seus filhos falassem e lessem sobre drogas. Naquela época era proibido jovem estar envolvido com o problema das drogas, porque isso chamava atenção e atraia os jovens. Então havia um certo preconceito. Então nós começamos a internar e o primeiro jovem que internei não foi daqui de Brasília, foi um carioca chamado Túlio. Um amigo do Rio de Janeiro me telefonou e disse: ‘Tenho um rapaz aqui e vou levar aí pra você’. Trouxe o rapaz que hoje é missionário nos Estados Unidos. Foi o primeiro que internei.
Tudo isso aconteceu depois de diversas palestras em igrejas e praças públicas, então a casa foi enchendo de jovens, mas agora nós precisávamos de gente para cuidar. Ai um casal da igreja se prontificou a me ajudar, ir morar lá e cuidar dos jovens. Depois veio uma irmã do Rio de Janeiro, que quis me ajudar e foi morar lá e assim começamos a trabalhar na chácara.
IA: Olhando para o passado e para os desafios e vitórias alcançadas, em sua ótica, o que seria do DF sem o Desafio Jovem de Brasília?
PGM: Desde o início, eu tinha um grande desafio que era o governo que não era apoiado. Mas havia um secretário social que resolveu me apoiar e ele começou a fazer isso financeiramente e eu fui enchendo a casa. Havia de 30 a 40 jovens internados e vinha gente de toda parte do Brasil, porque eu falava muito em rádio e dava entrevistas.
Naquela época, droga era uma coisa horrorosa e ninguém sabia nada, não tinha ninguém que falasse de drogas. Então eu e o padre Haroldo fomos os pioneiros, porque enquanto ninguém sabia de nada, nós apenas queríamos cuidar. E quem nos deu todo apoio foi o David Wilkerson, que veio de Nova York com todos os estudos sobre o assunto, até porque ele era o presidente do Teen Challenge em Nova York e uma das maiores lideranças do mundo sobre drogas.
Então foi uma benção o ter aqui, ele disse que queria me ajudar e começou a me ajudar com uma mensalidade. Foi à primeira coisa que recebi de alguém de fora para ajudar o meu trabalho e ele queria que eu fosse conhecer o Teen Challenge. Foi aí que surgiu o Desafio Jovem de Brasília, porque Teen Challenge quer dizer Desafio Jovem e ele conversando comigo disse: ‘Não quero que você mude o nome, mas se for se enquadrar ao nosso trabalho, eu posso te ajudar’. Aí nós mudamos para Desafio Jovem. A partir daí, pude fazer muitas visitas fora do Brasil e aprendi muito. Foi aí que comecei a escrever programas de recuperação e acabei angariando muitos amigos no Brasil e criando a Desafio Jovem do Brasil.
IA: Em sua opinião, existe algum segredo para recuperar vidas do mundo das drogas? Qual?
PGM: O segredo é a palavra de Deus. Pode parecer simplista, mas a palavra de Deus é tão forte e empreendedora que penetra o coração dos jovens. Quando ele aceita Jesus como seu salvador, ele começa a ler a palavra viva, que transforma. Então é algo extraordinário e foi assim que eu cresci nessa obra, porque os jovens se multiplicavam e saiam dando testemunhos. A palavra é muito forte. Aí comecei a escrever, escrevia sobre drogas e colocava como o jovem podia sair das drogas. Então escrevia sobre a palavra e isso correu o mundo, porque eu ia a seminários internacionais que falavam muito dos meus livros, mas a palavra é extraordinária. Não é pierismo não, é realidade.
Todos os movimentos oficiais que eu conheço e que tentaram trabalhar com droga-dependentes falharam e falham, porque não têm esse ingrediente. É a sociedade, é a cultura, é o ensinamento, mas não tem o fundamento que é a palavra de Deus. Esta é fundamental! É preciso que o jovem conheça que Deus o ama e que quer transformá-lo num cidadão correto, obediente, trabalhador e, acima de tudo, coerente nos ensinamentos da palavra.
IA: Como era o seu relacionamento com o saudoso Padre Haroldo?
PGM: Muito grande. Íntimo. De irmão. Viajei muito com ele, nós éramos muito ligados e combinávamos de falar sobre o evangelho, aí ele dizia: “É, eu sei, você vai puxar a brasa pra sua sardinha né?”, ai eu dizia: “E você também né? Vê se não exagera em Maria não em? É Jesus!”. Ele era muito engraçado.
IA: E como era esse trocadilho de experiências entre uma comunidade católica e uma evangélica, mais especificamente, entre o senhor e o padre Haroldo?
PGM: Total e absoluto! Nós não tínhamos nenhuma diferença, porque nós tínhamos a palavra. Mas hoje a entidades católicas se juntam conosco. Algumas sim.
IA: Que avaliação o senhor faz da expansão das Comunidades Terapêuticas no Brasil?
PGM: Eu acho que foi muito positivo, porque é aquela história: “Faça mal ou faça bem, mas faça!”. Nós todos temos que fazer bem e bem-feito, por isso que nós temos alguns encontros negativos, porque muitas vezes eu não concordo com certos sistemas de Comunidade Terapêutica. Às vezes há exagero religioso e eu sempre falo pro nosso pessoal: Vamos pregar a palavra! Deixa de lado a religião, vamos pregar a espiritualidade e isto que é fundamental. Porque se você cria um sentimento espiritual de vida, o sujeito estará propenso a aceitar os ensinamentos da palavra, então não tem importância o problema da religião. Acho que fica equidistante.
IA: Qual o seu entendimento sobre a nova política nacional sobre drogas? Ela é suficiente para combater o flagelo da droga?
PGM: Pela primeira vez tivemos um governo que olhou para as nossas entidades em prol dos jovens dependentes e suas famílias, mas não acho que seja suficiente não. Porque o sistema é corrompido pelos aspectos financeiros, que nem sempre é o motivo, e pelo aspecto religioso. Se você entra diretamente na religião, você consegue resultados, porque se a pessoa se converte, ela vai aceitar, mas eu penso que no primeiro instante nós temos que visar à transformação interior de cada indivíduo. Ele é viciado e está envolvido com a ideia de que a droga vai lhe dar felicidade e prazer, mas se você oferece a ele esperança através da palavra, porque o jovem se você falar de Deus e Jesus, ele aceita bem. Mas se você quer impor, desmistificar a formação do indivíduo, você encontra resistência.
Então eu sou favorável é que as nossas entidades deixem de lado o proselitismo religioso e se entreguem a palavra, ouçam os ensinamentos da palavra. Porque os católicos também creem e aceitam o evangelho, os espiritas fazem algumas ressalvas, mas todo aquele que está na droga, no fundo do poço, ele se apega a uma esperança e Jesus Cristo é esperança. Daí o nosso resultado positivo. Mas fui muito combatido por conta disso, principalmente, quando diziam que eles exageravam na religião. Pregue a beleza dos ensinamentos de Cristo e deixe o resto! Estou fora disso há um bom tempo e passei a batuta para os irmãos e eles não podem permitir esses exageros.
IA: Para finalizar, que mensagem o senhor deixaria para os leitores de Imagineacredite?
PGM: Eu faço um grande apelo aos companheiros irmãos ou não irmãos na obra de recuperação no Brasil de que acima de qualquer divergência de ordem eclesiástica seja qual for, existe o princípio dominante que é a palavra de Deus. Esta é que tem que ser verberada, ensinada para que os jovens aprendam as verdades nela incluídas. A convivência salutar, a vida com o próximo, nós temos que conviver com o próximo, a saúde é elemento fundamental também e o conhecimento que inclui a cultura e os ensinamentos espirituais. Isto é fundamental em qualquer entidade que se dedica a obra de recuperação, porque se você não mudar o interior, a mente e o entendimento do jovem no entendimento da verdade não haverá recuperação. Ele poderá até demonstrar alguma vontade de se recuperar, mas ao sair, ele vai cair novamente.
Então é preciso que haja de verdade uma libertação, aí que está o ponto fundamental: Libertar-se da droga, dos malefícios da droga, do envolvimento da droga e daqueles que divulgam, vendem e que representam um grande perigo da juventude brasileira. O jovem precisa ser cuidado, ele precisa ser cuidado primeiro pela família e a família precisa saber que ela é fundamental nesse processo de recuperar. Educar a ser bom, honesto, não matar e não roubar é importante, mas primeiramente cabe à família transmitir isso aos seus filhos.
Por Sérgio Botêlho Júnior