Maria Patreque, onde o veneno não foi capaz de destruir a Esperança de superar as adversidades da vida.

 
No mundo livre, mesmo com todo o machismo que ainda persiste em existir, as mulheres podem, devem e, muitas vezes, conseguem realizar os seus sonhos. Porém, quando se nasce em um país em que o machismo e misoginia são parte da cultura, ser mulher com sonhos e metas de vida é algo praticamente impossível. Contudo, Maria Patreque Naite, natural de um vilarejo da província de Manica, situada no centro de Moçambique, venceu tudo isso e hoje é um verdadeiro exemplo de resistência e da força da mulher. Hoje ela é responsável pela Fazenda da Esperança Santa Rita de Cássia, em Goiânia (GO) .
 
Em Moçambique, país que também conta com a influencia muçulmana, a poligamia é permitida. Por isso, ela é uma das 19 filhas do seu pai, que teve duas esposas, e uma das três da sua mãe. Já a sua infância foi bastante confortável para os padrões da sua província, pois morava em uma casa de alvenaria, estudava, tinha suas roupas e a alimentação necessária para sobreviver. Tudo garantido por sua mãe, já que na cultura local não é costume os homens trabalharem.
 
“A maioria dos homens, 90%, não trabalham, porque eles casam e colocam as esposas para trabalharem para eles. A função da mulher é essa quando casa: trabalhar na enxada, na lavoura e administrar toda a casa. Então tem que por a comida em casa, cuidar dos filhos e colocá-los para estudar. Se a mulher não trabalhar, os filhos não vão estudar e a casa fica sem nada, porque segundo eles carregar as coisas na cabeça, água, isso e aquilo é coisa de mulher e não dos homens. Já na cidade é um pouco diferente, porque os homens já estudam e são mais educados”, explicou.
 
Diante disso, ela contou em entrevista exclusiva ao jornalista Sérgio Botelho Junior, que a vida dela foi bem tranquila até a morte de sua mãe, que foi envenenada por sua madrasta, a qual também tentou contra a vida dela e de seus irmãos e nunca foi punida por isso. “Minha mãe foi envenenada por outra mulher, porque ela achava que minha mãe mais era a mais gostada pelo meu pai, então isso criou um ciúme misturado com inveja. Minha mãe era trabalhadora, tinha bastante coisa, então rolava um pouco de inveja, né? […] Era para matar nós quatro, só que nós três [ela e os dois irmãos] dormimos, então quem comeu o veneno foi minha mãe, que chegou tarde demais no hospital”, relembra a moçambicana.
 
Diante do ocorrido, Maria Patreque assistiu a inércia de seu pai, que considerou o crime como um “problema de mulheres” e seguiu a vida e o casamento que lhe havia restado normalmente, além de ter sido obrigada a aprender a fazer tudo o que sua mãe fazia no dia a dia. Por outro lado, ela acabou desenvolvendo sentimentos ruins, a exemplo do desejo de vingança que nunca foi executado, mas contido e dispersado ao longo do tempo. Porém, no meio desse tempo, diversas foram as barreiras impostas a ela.
 
Por conta da cultura local, Maria Patreque não podia assistir televisão para se informar, somente para ver filmes antigos. Ela também não podia ir a escola e ainda deveria se casar com alguém “arranjado” por seu pai, algo que ela se recusou a duras penas. “Os pais, antigamente, falavam que não podia levar os filhos mulher para escola, porque vai ficar muito esperto e depois colocar em prejuízo, porque não vai querer casar mais”, pontua.
 
Mesmo assim, com apenas cinco anos de idade, ela foi teimosa e, ao levar o seu irmão mais velho, filho da madrasta, para a escola, acabava entrando na sala de aula e acompanhando todas as explicações. “Quando a professora perguntava lá as coisas, eu já respondia, né? Quer dizer, eu estava mais atenta que os mais velhos lá na sala. Então a professora falou com a minha mãe, olha, a tua filha na sala responde mais que os mais velhos, então é melhor deixar para fazer a primeira série. Então foi assim que eu comecei a estudar”, conta Patreque, que desde muito cedo viu na educação a chave para a sua liberdade.
 
Entretanto, mesmo com o destaque na escola, a madrasta incentivava seu pai a arranjar um casamento para ela. “De vez em quando, quando meu pai dava uma de lúcido e queria que eu estudasse, ela dizia que quem não estuda também vive e não sei o quê. Então essas coisas me faziam sentir que não tinha perspectiva, mas algo me dava iluminação e eu acabava acreditando nesse impossível”, contou a moçambicana que se logo se recusou a casar e passou três dias escondida em uma mata. “Se eu já tive uma depressão, acho que foram naqueles três dias lá, foi a minha depressão, assim, porque eu não sentia vontade de nada, não sentia vontade de comer, não sentia vontade de dormir, não sentia vontade, até nem de chorar, não tinha lágrimas”, destaca.
 
E de onde vinha o desejo de não casar? Segundo Maria Patreque, que na época estava arranjada para casar, além das obrigações e privações, a decisão ocorreu aos 11 anos de idade quando um senhor lhe apresentou a cidade grande, um lugar bem diferente do seu vilarejo, e posteriormente acabou confirmada quando uma senhora a levou até a capital Maputo. “Eu tinha perguntado a ela como fazia para viver em um lugar como aquele e ela disse que eu tinha que estudar. Por isso que quando vi a questão do casamento, eu pensei: Puxa vida, né, eu não quero casar e ir morar com um homem que tinha duas mulheres, eu ia ser a terceira, mas fiquei pensando que era melhor eu sofrer fazendo aquilo que quero para a minha vida, morrer fazendo isso, do que viver a minha vida toda sofrendo para agradar o meu pai. Então, para mim, descartei a ideia deles me baterem até eu morrer e preferi sofrer por aquilo que quero”, conta.
 
Após tomar a decisão, Maria voltou a sua casa, pegou suas coisas e foi embora com um aviso do pai, que havia lhe dito que a partir daquele momento, ela não contasse com a família para mais nada, nem mesmo quando morresse. Então ela seguiu pela estrada, recebeu uma carona de um motorista de ambulância que a deixou na casa da senhora citada acima, Dona Balbina, que a acolheu durante seis meses, com todo o suporte para que ela pudesse estudar. Nesse tempo, ela buscou meios para garantir a sua liberdade, que chegou com a Fazenda da Esperança, uma obra social presente em 28 países com o objetivo de resgatar vidas do flagelo da dependência química de álcool e outras drogas.
 
Uma vida nova e cheia de esperança
Maria Patreque, com apenas 13 anos de idade, contribuiu com as Crefes, unidades dedicadas as crianças e jovens, onde se matriculou no internato, onde também encontrou sua irmã Cristina patreque Naite , e deu prosseguimento aos estudos. Sempre se destacando pelas boas notas que conquistava e dona de uma fé gigante, ela conseguiu uma indicação social e contribuiu com a instalação da Fazenda da Esperança em seu país.
 
E foi diante de tantas lutas que, tempos depois, ela recebeu um convite para deixar a Fazenda na África e ir ao Brasil, onde foi recebida na unidade mãe de Guaratinguetá que a enviou para reabrir a Fazenda Santa Baquita, situada em Brazlândia, no Distrito Federal, onde permaneceu por cinco anos, tempo em que pode dar um basta em todo os sentimentos ruins obtidos com o assassinato da mãe e todas as barreiras da sua vida em Moçambique. “Foi uma experiência diferente, porque eu sempre falo que é aí que você percebe que as dores só mudam o nome”, resumiu.
 
E completou: ˜Eu tive a dor da perda da mãe, da cultura que estava me oprimindo e as meninas vêm oprimidas também pela dependência química, né? Machucadas com dores, porque alguém abusou, né? Então as dores é mesmo dor, dor é dor. Então quando eu vejo alguém assim que chega assim, a minha vontade também é de fazer com que essa pessoa saia bem, mesmo que fique pouco tempo. Então para mim todas as meninas que fizeram o ano comigo, a maioria estão bem, estão muito bem”.

Com tamanha contribuição, Maria Patreque foi convidada para retornar ao continente africano e contribuir com a abertura de uma fazenda em Angola, missão que aceitou e que faz muito sentido para o seu novo sonho de vida: Ajudar a libertar as mulheres que sofreram toda a opressão que um dia ela sofreu.
 
“Um dos desejos que eu tenho, principal desejo mesmo, que eu acho que vou me sentir muito realizada, é ajudar as meninas que hoje também estão passando pelas mesmas situações que eu passei lá na minha região, inclusive já estou fazendo isso, mas com pouca aderência, porque eu não tenho condições para fazer. Por isso, talvez eu ainda busque muito querer estudar para ter um lado financeiro equilibrado e que me permita ajudar mais, porque tem muitas meninas sendo vendidas que às vezes terminam os estudos e o pai fala assim: `Vai casar, não precisa trabalhar né ou não precisa fazer faculdade!’ Então quando alguém me pede ajuda nesse sentido, eu fico muito triste, muito triste e eu quero ajudar. Hoje, eu tenho mais ou menos cinco meninas que estão estudando”, acrescentou.
 
Uma vida em paz e sem ódio
Em entrevista, Maria Patreque contou que, mesmo nos momentos de grande fúria, nunca conseguia colocar em prática uma vingança pela morte de sua mãe, justamente por sentir algo te impedindo. Mas com sua entrada na fazenda, o amor foi se fazendo cada vez mais presente e ela ganhou um novo lar e uma nova família.
 
E foi justamente essa família que a ajudou a resgatar a sua irmã de um casamento abusivo, tanto que hoje esta vive em Sobral, onde cursa Odontologia, e ainda a convenceu a cuidar do seu pai quando ele estava passando por uma crítica situação de saúde. Tudo de forma generosa e sem mágoas, coisas que ela comenta com alegria e muito orgulho.
 
“Já tive ódio, mas hoje não tenho, porque não vale a pena ficar carregando o mal, o lixo dentro de mim. Eu não quero isso! Eu gosto de estar bem comigo mesma. Então não preciso ficar carregando pessoas pesadas dentro de mim, até porque nem de mim mesmo eu consigo me carregar e imaginar com mais gente. Então eu não tenho não, mas sinto que se você quer alguma coisa na vida, você que tem que dar o primeiro passo, porque não tem como as pessoas te levantarem”, explanou.
 
Por fim, ela destacou a importância de Deus em sua vida. “Para mim, eu posso dizer que Deus é tudo. Ele escuta nossas orações, ele escuta nossas conversas. […] Aquilo que você fala, que você tem no coração, se você tiver fé, ele realiza. Deus pra mim é aquele Pai que escuta os nossos desejos e Ele realiza, mas não no nosso tempo, mas no tempo dele, no tempo certo”, finalizou.

Por Sérgio Botelho Junior

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