Eunice Lima e Manuel Júnior: Um casal dedicado a Deus e aos dependentes químicos

Deixar uma vida tranquila para se dedicar a viver a palavra de Deus e, sobretudo ao acolhimento de pessoas em situação de rua e dependentes químicos de álcool e outras drogas definitivamente não é para qualquer um. Contudo, foi essa decisão que fez o casal Eunice Melhado de Lima, de 72 anos, e Manuel Silva Júnior, de 82 anos, que faleceu há poucos dias, encontrarem um sentido para suas vidas.

Tudo começou há 57 anos, quando o casal se conheceu e iniciou um namoro que durou quatro anos até o longevo casamento que durou mais 53 anos. Na época, ele tinha 25 anos, havia acabado de deixar o Seminário para se dedicar ao Direito, área em que foi advogado e Juiz em várias comarcas do Estado de São Paulo. Ela, por sua vez, tinha apenas 15 anos e se encantava, como se encanta até os dias de hoje, com a postura dele perante a vida, mas mal sabia ela que juntos viveriam uma crescente e profunda experiência espiritual.

“O Manuel era um juiz super diferente. Assim, eu logo tive desejo de fazer Direito, eu tinha feito matemática, nunca exerci, porque começamos a ter os filhos e essa escolha de ter os filhos que Deus mandasse nos norteou sempre  e tivemos. Fomos tendo os filhos, temos uma adoção no meio que é a quinta filha e esse norte que Deus deu na nossa vida foi um presente, um presente dele, uma escolha dele por nós e nós dissemos o nosso sim”, relembrou Eunice.

Com a decisão de ter os filhos que Deus enviasse fez o casal enfrentar dificuldades financeiras, mas Manuel nunca ficou desempregado e acabou desempenhando também a função de professor universitário e de Seminário, em São José dos Campos/SP. Neste último local, ele lecionou por 25 anos com muita gratidão e doando todo o salário que recebia da instituição de ensino superior, pois a sua intenção era retribuir a formação recebida da Igreja à Igreja. “No Seminário e na faculdade, ele dava aula de Direito Civil, Direito Penal, mas sempre, em tudo que ele falava, ele tinha essa experiência dele trazer Deus no discurso dele”, destaca a viúva.

A presença cristã no discurso também era colocava em prática dentro dos tribunais. “Ele chegava no fórum e a primeira coisa que ele fazia era tirar aquele tablado enorme, que deixava o advogado, promotor e o réu lá embaixo e o juiz lá em cima. Ele sempre falava: ‘Nós somos todos iguais, porque eu tenho que ter um tablado aqui que me mantem em cima, pra cima do resto da justiça?’”, conta.

O encontro com a razão de viver

Enquanto exerceu a função de Juiz, Eunice e Manuel Júnior residiram nos municípios de São Sebastião e São José dos Campos, mas foi durante um cursilho em Mariápolis, situada em Aparecida do Norte-SP, que o casal descobriu e redescobriu a fé, além de ter encontrado a razão de tudo aquilo que eles realmente desejavam viver com mais profundidade. Na época, meados do ano 2000, Manuel se aposentou da toga e foi vereador por um único mandato, porque mesmo tendo todas as condições de ser reeleito,  o casal decidiu atender a um pedido do Papa João Paulo II, aderir ao Movimento dos Focolares no Brasil e viver em comunidade. Tudo foi acompanhado pelo Frei Hans Stapel, fundador da Obra Social Nossa Senhora da Glória, mundialmente conhecida como Fazenda da Esperança, ao longo dos últimos 40 anos.

“Há 40 anos, a gente vive essa experiência da fazenda, porque o Frei nos convidada e insistia para que viéssemos morar, porque o Manuel foi diagnosticado com uma doença rara que o deixava com mais dificuldade de caminhar em nossa casa. Então nós viemos fazer essa experiencia na fazenda. Faz sete anos que nós moramos no Recanto da Esperança, fomos os primeiros moradores”, pontua.

Ainda vivendo a experiência, Eunice hoje atua como conselheira da Igreja que sofre e orgulha-se do sucesso dos oito filhos e de dedicar tudo o que tem à Fazenda da Esperança. “Aqui, nós viemos participar da equipe de formação. Foi essa experiência que nós tivemos na Itália durante quatro meses, na escola de formação para formador, que nos impulsionava nesse sentido de formar esses jovens que vem para fazenda com a desculpa de se recuperar para encontrar a Deus e aí participar das aulas na escolas de comunhão, depois dávamos aulas na fazenda para os meninos nas noites de formação e ficamos à disposição da obra para o que precisasse”, acrescenta.

Tendo no saudoso marido um exemplo de dedicação ao outro, Eunice conta que a mudança para a Fazenda para se dedicar aos dependentes químicos não foi fácil, pois antes disso eles estavam bem acolhidos na comunidade em que faziam parte. “Mas foi uma frase de Chiara, quando quando ela estava no hospital, ela disse: ‘Enquanto meu coração bater, alguém espera por mim’. Para nós parece que tava tudo resolvido, eu tinha 65 anos, ele tinha 75, não era mais hora de mudar, mas esse chamado de Deus que a gente sentiu muito forte diante de todo sofrimento que nos encontramos na fazenda que a gente encontrou nos meninos, a oportunidade da gente poder se doar o tempo todo. Eu brinco assim, aqui a gente fica no homem velho quando quer, porque o tempo todo o outro precisa de você e você está disponível”, explica.

A vida e o significado da Fazenda da Esperança

Com 72 anos, Eunice de Lima admite ter vivido muitas experiências tocantes com os acolhidos da Fazenda. “Essa frase que eu vivi para mudar para cá,  ‘enquanto meu coração bater alguém espera por mim’, um dos jovens tatuou no braço e ele fala que essa frase me faz caminhar o tempo todo. Ele veio da escola de formação e já está na escola de comunhão. Então é uma experiência incrível”, orgulha-se.

Para ela, Jesus é tudo e Maria é a mãe de tudo. Além disso, Eunice entende que o Movimento dos Focolares e a Fazenda da Esperança se complementam. “No Movimento eu aprendi tudo que eu tenho, vivi também, mas me formou para essa experiência que eu vivo hoje de doação. Eu realmente estou, agora nesse momento, vivendo uma experiência sobrenatural! Não sou eu mais que vivo, é Cristo que vive em mim. Eu procuro fazer essa experiência, claro que eu sou humana, estou na terra ainda, erro muitas vezes, mas essa presença de Jesus na minha vida tão forte, quase que física, me traz muito o céu na terra e é isso que me move hoje. Então o Movimento me preparou, a Fazenda me traz para o real”, argumenta.

A mulher de 72 anos também aproveitou para reforçar a presença de Cristo na Fazenda da Esperança. “Essa obra é feita de homens, homens que erram, homens que não s˜o santos ainda, mas que estão em busca e, ao mesmo tempo, pessoas que fazem experiências radicais que a vezes você ver um menino que acabou de chegar, um mês, dois meses depois, já dando a vida  a mesmo, lavando a roupa do outro, fazendo a experiência completa do evangelho”, observa.

Uma vida de entrega

Eunice sempre foi católica e jamais abandonou a sua fé, nem mesmo nos tempos da pandemia de Covid-19, quando ensinou catequese de forma online, por videoconferência, a sete dos seus 14 netos.  E agora com a partida de Manuel, ela aprofundou a sua experiência com Cristo, confirmando o desejo de entrega-lhe a sua vida.

“Eu vivi essa experiência há 40 anos, mais forte e nada me faz me arrepender, só traz a certeza que valeu a pena, valeu a pena! Então é isso que eu desejo para cada um, que também encontre seu caminho. Eu não tinha os votos, agora com a partida no Manuel, eu posso fazer os votos. Eu fiz meus votos faz 15 dias, que é o voto da pobreza, da castidade, da obediência e quero vivê-lo até o final da minha vida com toda a intensidade e desejo que todo mundo encontre o sentido da sua vida”, finaliza

Por Sérgio Botelho Junior .

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