Em meio à pandemia, Fazenda da Esperança coloca no céu quem antes vivia no inferno

Uma obra marcada pela entrega aos mais necessitados também não se rendeu aos riscos inerentes a pandemia do novo Coronavírus (Covid-19). Por isso, as Fazendas da Esperança de todo o Brasil, imbuídas pelo espírito solidário, vestiram-se de coragem, mandaram o temor embora e acolheram mais de 700 moradores de rua. E eles que antes não poderiam obedecer às instruções governamentais para ficar em casa, acabaram deixando o inferno frio e perigoso das ruas para viver uma nova vida marcada por algo que há muito lhes faltavam: esperança.

E toda essa ideia, que tem custado mais de R$ 250 mil mensais aos cofres da instituição, partiu do coração do frei Hans Stapel Ofm, fundador da Obra Social Nossa Senhora da Glória. É que ao assistir aos noticiários e ver as recomendações sanitárias de isolamento social, sobretudo o famoso “fique em casa” sendo transmitido, ele sentiu em seu coração o desejo de acolher, de amar e de servir de porto seguro para os moradores de rua, os quais tinham a atenção social, familiar e humana como as suas maiores deficiências. Como resultado, ele tem vivido momentos ímpares.

“O grande número de moradores de rua me provocou muitos sentimentos. Primeiro, eu tinha que fazer uma estrutura nova com amor, porque vem à preocupação de que eles podem me trazer o vírus, e a minha idade, o meu problema de saúde, poderá me levar a falecer. E aqui hoje depois de tanto rezar e refletir, sinto muita paz, que não é a morte é a novidade. Por que todos vamos morrer, de um jeito ou de outro cada um tem o seu tempo limitado. Então provocou de novo dentro de mim o desejo mais profundo de aproveitar bem esse tempo e amar. E isto que estou fazendo junto com esses jovens é extraordinário. Escutando as suas histórias, ouvi que para muitos faltam apenas uma oportunidade. Eu escutei de novo esse grande grito e ato de amor. Ninguém ensinou a eles para depois de serem filhos amados, se tornarem pais que são capazes de amar seus filhos. Muitos vivem esse grito de quererem ser amados, são carentes. Mas nós temos agora a possibilidade de amá-los e estou muito contente com essa possibilidade”, destaca.

Segundo Nelson Giovanelli, fundador da Fazenda da Esperança, o acolhimento dos moradores de rua ocorreu após ele e o frei entenderem que não poderiam se deixar levar pelo sentimento de medo que paralisa o ser humano. Por isso, a instituição resolveu adotar as medidas de proteção recomendadas pelo Ministério da Saúde e aproveitar o cancelamento do evento intitulado “Com Deus tem jeito” para abrir as portas da fazenda mãe, em Guaratinguetá-SP. Lá, Giovanelli lembra que, inicialmente, somente ele e o frei iriam fazer o acolhimento e vivenciar a quarentena com os moradores de rua num alojamento separado, mesmo que isso representasse um grande risco. Uma vez que ambos possuem idades avançadas e problemas sérios de saúde.

“Esta decisão provocou uma reação em cadeia de muitos responsáveis e voluntários, que, claro, por amor, carinho e respeito a nós, preocupados com a nossa saúde, pois somos pessoas do grupo de risco, no caso o frei Hans saindo de um câncer, tendo dois stenter’s; no meu caso, saindo de uma embolia pulmonar, várias pessoas se colocaram à disposição para ficar com estes jovens. Mas, de toda maneira, nós ficamos perto deles para poder acompanhá-los durante os 15 primeiros dias, e foi uma experiência extraordinária. Nós voltamos as nossas origens, podendo acompanhar um grupo diariamente, o desenvolvimento e o processo de abertura no sentido de conhecer o carisma da esperança, e criamos com eles um relacionamento de pai pra filho de tal maneira que nos animamos a acolher um segundo grupo. E o mais interessante é que a notícia se espalhou de forma que outras unidades da Fazenda também quiseram se abrir para isso, provocando assim uma avalanche de acolhimentos que, atualmente, nos fez chegar a mais de 700 acolhimentos”, comemora.

Entretanto, como já mencionado acima, a empreitada tem sido financeiramente onerosa para a Fazenda da Esperança. É que as produções da fábrica de produtos da babosa estão paradas, enquanto as máscaras de proteção e as famosas agendas continuam estocadas devido à falta de visitantes. Diante disso, a instituição tem lidado com esta situação como pode e, felizmente, com a ajuda da população tem conseguido garantir as três refeições diárias e um acolhimento digno, humano e fraterno aos que antes nem um sorriso sincero recebiam.

“Para mim foi uma confirmação daquela frase do evangelho de que “o amor lança fora o temor”. Então nós experimentamos e continuamos a experimentar a solidariedade generosa do povo brasileiro que aderiu a essa nossa campanha assim que nós fomos comunicando isso nas mídias, que possibilitou que nós pudéssemos receber doações em dinheiro e garantir a manutenção deles na Fazenda”, celebra Nelson Giovanelli. Enquanto o frei Hans destaca que a adesão popular a campanha solidária tem servido também para combater o vírus do egoísmo.

“A Fazenda já acolheu mais de 700 homens de rua. Eu vejo que eles são privilegiados. Eles não têm ambições, vivem na simplicidade, se ajudam mutuamente, sabem dividir o pouco que têm e isso é impressionante. Eu rezo e peço que esse vírus ajude a nós todos, para que esse país tão grande, abençoado por Deus, seja mais fraterno e acabe com essa desigualdade. Como dói saber que uns tem tudo: casa na praia, na fazenda, apartamentos, geladeira cheia; e outros não têm nem água para lavar as mãos e nem um teto sobre a cabeça. Estou vivendo momento de profunda provocação dentro de mim, mas também de muita paz e certeza de que a morte não é a última estação, não é a última palavra. Tem a ressurreição. E aqueles que amam, e aqui me lembro de tantos médicos, enfermeiros e faxineiros nos hospitais que estão dando a sua vida. Eles vão encontrar essa eternidade, essa alegria e esse abraço no pai que diz ‘obrigado, porque você deu a sua vida por mim’”, encerra.

Para se ter uma ideia do impacto causado pela Fazenda da Esperança na vida dos moradores de rua, basta-nos prestarmos atenção ao relato do Ítalo Francelino. “Fazia muito tempo que eu não tinha três refeições por dia, quem dirá cinco. Tenho dois sabonetes, sabe o que é dois sabonetes? Eu não sabia se ia tomar banho na rua e hoje tenho dois sabonetes, um shampoo, um desodorante, roupa limpa… Saber que você vai dormir bem e acordar bem, mexe muito com a gente”, conta o morador de rua acolhido.

Por Sérgio Botêlho Júnior

Frei Hans Stapel e o Nelson Giovanelli

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