No Brasil, apenas duas em cada dez profissionais da engenharia são mulheres, segundo dados do Sistema Confea/Crea. Em um setor ainda marcado pela desigualdade de gênero, a engenheira civil Poliana Krüger tem se tornado uma referência nacional. Presidente da FAMEAG e da AMEAG-SP, além de ex-coordenadora do Programa Mulher do CREA-SP, ela lidera uma transformação silenciosa, mas profunda, nas estruturas da engenharia brasileira — e carrega uma trajetória de vida que inspira e emociona.
Desde a infância, Poliana precisou lidar com desafios que testaram seus limites. Com diagnóstico de dislexia, encontrou na matemática uma forma de interpretar o mundo. “Descobri que, ao invés de decorar, eu podia entender e transformar os problemas de formas diferentes até chegar ao resultado certo. Isso me encantou”, conta. Foi ali, ainda criança, que nasceu o vínculo com as ciências exatas, impulsionado pela convivência com o pai, José Ilton, pedreiro que se tornou mestre de obras. “Eu o observava trabalhando com tanta dedicação, e aquilo me despertava uma admiração enorme.”
Criada em uma família humilde, ouviu da mãe, Maria Helena, que talvez não pudessem pagar por uma faculdade. Mas dentro de si, a convicção já existia: “Um dia, eu seria engenheira.” A vida, no entanto, impôs novos testes. Casou-se cedo, teve dois filhos e, aos 24 anos, ficou viúva. Mesmo diante do luto e das dificuldades, seguiu estudando, concluiu o magistério e a graduação em matemática. “Enfrentei o luto durante a faculdade, abri minha loja, que tenho até hoje há mais de 24 anos, lecionei, mas nunca deixei de pensar na minha outra profissão.”
Já casada novamente e com o nascimento do terceiro filho, Marco Antônio, Poliana decidiu realizar o sonho adiado: ingressou na faculdade de engenharia civil. Começou como estagiária na construtora EVEN, em São Paulo, e logo se destacou. “Trabalhei com pós-obra — área pela qual me apaixonei —, fiz pós-graduação em engenharia diagnóstica e, depois de anos de experiência, abri minha própria construtora.” Atuando sempre dentro das obras, no canteiro, liderando equipes, afirma: “É lá que me sinto viva.”
Mas Poliana não parou na realização pessoal. Sua trajetória a levou para espaços de liderança no sistema profissional, onde viu a necessidade de promover mudanças estruturais. Durante a SOEA em Goiás, em um momento simbólico, ouviu um chamado. “O presidente do Confea, Joel Krüger, lançou um desafio: ‘Está na hora de criar uma associação de mulheres’”, recorda. Foi a faísca para fundar a AMEAG — Associação de Mulheres das Engenharias, Agronomia e Geociências. “O nome veio do coração. AMEAG começa com ‘AME’, de amor. Amor pela nossa profissão.”
A iniciativa se espalhou rapidamente. “Logo vieram os pedidos: ‘A gente também pode usar esse nome no nosso estado?’ E a resposta foi sim.” Assim surgiram AMEAGs no Ceará, Acre, Roraima, Paraíba e outras regiões. A missão, segundo Poliana, era clara: garantir voz, independência e protagonismo às profissionais. “O mais importante é isso: a união das mulheres. Porque juntas, fazemos a diferença.”
Sua luta por equidade no Sistema Confea/Crea/Mútua ganhou ainda mais força no Programa Mulher do CREA-SP, onde atuou como coordenadora. “Acredito que a presença feminina nas engenharias não pode ser vista como exceção, e sim como parte fundamental de um sistema mais justo e inovador”, afirma. Sob sua liderança, o programa criou ações concretas de valorização, espaços de escuta e incentivo à formação de lideranças femininas. “Mesmo diante da falta de recursos, não deixamos de trabalhar — e isso mostrou, na prática, que quando mulheres se unem, elas transformam.”
Além de promover mudanças institucionais, Poliana também faz questão de compartilhar sua história com outras mulheres. “Me coloco como referência acessível. Compartilho minhas dores e conquistas, porque acredito que representatividade importa e que nenhuma mulher deve se sentir sozinha nesse caminho.” Com a fundação da AMEAG-SP e o apoio a outras AMEAGs pelo país, construiu uma rede de apoio que serve como alicerce para novas trajetórias.
A história de Poliana também ganhou um novo capítulo com a relação pessoal com Joel Krüger, hoje presidente da Mútua. A aproximação ocorreu em um momento delicado. “No final de 2020, eu estava no fundo do poço. Saindo de um relacionamento tóxico, sem chão.” Foi nesse cenário que recebeu uma ligação de Joel, agradecendo institucionalmente por seu apoio. “Mas mal sabia ele que, naquela ligação, ele estava me estendendo uma mão num dos piores momentos da minha vida.”
“Chorei muito. Abri meu coração, falei do orgulho que tinha por ele ter dado protagonismo às mulheres no sistema.” A troca se intensificou e, aos poucos, nasceu uma relação afetiva. “Hoje, o Joel é meu marido, e posso dizer com todo o coração: ele foi uma luz na minha vida.” Poliana faz questão de frisar que sua trajetória não começou ali. “A Engª Poliana já existia antes dele, com toda a luta, força e história. O que o Joel fez foi caminhar comigo, respeitar minha trajetória e somar.”
Hoje, juntos, seguem atuando por um sistema mais inclusivo. “Continuamos lutando pela valorização das mulheres na engenharia, agronomia e geociências, e por um sistema cada vez mais humano, justo e representativo.” A história de Poliana Krüger é, acima de tudo, uma história de resistência, de recomeços e de compromisso com a transformação coletiva.
AMEAG: o nascimento de uma rede nacional
A atuação de Poliana no fortalecimento da presença feminina no sistema Confea/Crea/Mútua culminou na fundação da AMEAG — Associação de Mulheres das Engenharias, Agronomia e Geociências. A proposta surgiu em um momento decisivo, durante a Semana Oficial da Engenharia e da Agronomia (SOEA), quando Joel Krüger, então presidente do Confea, lançou um desafio: criar uma associação que garantisse autonomia e protagonismo às mulheres.
“Foi então que eu abracei a missão e disse: vamos criar a nossa associação. E o nome veio do coração: AMEAG — começa com ‘AME’, de amor”, relata. A proposta rapidamente ganhou adesão nacional, com novos núcleos surgindo em estados como Ceará, Acre, Roraima e Paraíba. O objetivo era claro: dar voz às mulheres da área tecnológica.
Segundo Poliana, a AMEAG representa um marco na construção de um ambiente mais igualitário. “Hoje temos uma rede forte, construída com orgulho, união e carinho”, afirma. A associação tem promovido ações voltadas à escuta, formação e visibilidade das profissionais em diferentes regiões do país.
O crescimento da AMEAG também reflete uma mudança cultural dentro do sistema, antes dominado majoritariamente por homens. A entidade oferece apoio mútuo entre as profissionais e inspira novas lideranças femininas nas engenharias, na agronomia e nas geociências.
