Entre os dias 13 e 15 de dezembro, São Paulo sediou a 29ª Conferência Mundial das Comunidades Terapêuticas, em Campinas, organizada pela Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT) com o apoio da Federação Latino-Americana de Comunidades Terapêuticas, patrocinada pelo Grupo Prev One e o Instituto Padre Haroldo foi Apoiador Master. Esta foi a primeira edição do encontro realizada no Brasil, reunindo mais de 500 participantes especialistas e representantes de diferentes estados do Brasil e de 18 países para discutir questões ligadas ao acolhimento e tratamento de dependentes químicos.
O principal objetivo da conferência, segundo os organizadores, foi criar um espaço para a troca de experiências entre profissionais e instituições que atuam no setor com ética, além de apresentar abordagens inovadoras que possam ser aplicadas no trabalho com dependência química. A programação incluiu debates e palestras voltadas para a ampliação de conhecimento e a melhoria das práticas adotadas pelas comunidades terapêuticas.
Ao longo do evento, foram discutidos temas como ética, inclusão, diversidade, justiça criminal, saúde mental e políticas públicas, com enfoque na aplicação de metodologias inovadoras para o acolhimento e recuperação de pessoas em situação de vulnerabilidade. Participantes de diversos países compartilharam estudos e exemplos práticos que demonstram o impacto das comunidades terapêuticas no processo de reinserção social.
“Há muitas instituições que realizam trabalhos importantes, mas com finalidades que não correspondem ao modelo técnico e ético de uma comunidade terapêutica. Essa diferenciação é essencial para garantir a qualidade do acolhimento e da recuperação. As Comunidades Terapêuticas devem estar sempre inserida nas políticas públicas sobre drogas, compondo a rede de serviços que atende a população que sofre pelo consumo de álcool e outras drogas”, explica o presidente da Febract, Sdoia.
Estiveram presentes representantes do governo federal , governos estaduais e municipais, destacando a presença do prefeito de Campinas, Dário Saad na cerimônia de abertura, como também a presença de Brian Morales, diretor do INL do governo americano.
A importância da escolha da cidade
O presidente da FEBRACT, Luis Roberto Sdoia, destacou a importância do evento para o fortalecimento do modelo de comunidade terapêutica no país e no mundo. Sdoia ressaltou que o encontro reuniu lideranças de cinco continentes, oferecendo uma oportunidade única de troca de conhecimentos e práticas.
“Essa conferência trouxe a dimensão do que é a comunidade terapêutica no mundo. Muitas vezes, no Brasil, há a percepção de que esse modelo nasceu aqui, mas ele existe há muito mais tempo, sendo desenvolvido e aprimorado em diversas partes do globo. Essa visibilidade é fundamental”, afirmou Sdoia.
Em concordância, o evento foi considerado um sucesso pelo Diretor Executivo da Febract, Lucas Roncati, que destacou a importância da escolha da cidade e a relevância das discussões promovidas.
“A escolha de Campinas como sede reflete os valores da FEBRACT, pois encontramos um ponto focal capaz de receber pessoas de todo o estado de São Paulo, do Brasil e também de outros países. A proximidade com São Paulo e o acesso ao aeroporto internacional foram fatores estratégicos”, explicou Roncati. Ele também reforçou que a cidade ofereceu uma oportunidade única para reunir especialistas e estabelecer um parâmetro técnico e ético no funcionamento das comunidades terapêuticas ao redor do mundo.
A troca de experiências internacionais
O psicólogo e doutor em Saúde Coletiva pela UNESP, Pablo Kurlander, diretor do Instituto Eureka Educando e Coordenador do Relatório Mundial da WFTC, destacou a importância da troca de experiências internacionais no enfrentamento à dependência química. Segundo ele, eventos como este proporcionam um ambiente único para compartilhar práticas bem-sucedidas, adaptadas às diferentes realidades de cada país.
Kurlander apresentou dados significativos sobre o resgate e a reinserção de pessoas em situação de dependência química, reforçando o impacto positivo de comunidades terapêuticas estruturadas e comprometidas. Ele ressaltou que o intercâmbio de metodologias e resultados entre nações é essencial para o avanço de políticas públicas eficazes, ampliando as possibilidades de recuperação e reintegração social.
Além disso, o especialista destacou que o fortalecimento dessas comunidades requer não apenas apoio financeiro, mas também investimento em capacitação técnica e monitoramento contínuo para garantir a qualidade do acolhimento e dos tratamentos oferecidos. “A experiência de cada país pode servir de inspiração e aprendizado, mostrando que é possível transformar vidas com compromisso e dedicação”, afirmou Kurlander durante sua apresentação.
Desafios e avanços no acolhimento de dependentes químicos
A presidente do Instituto Padre Haroldo, Lúcia Decot, abordou os desafios enfrentados pela instituição no acolhimento e recuperação de dependentes químicos, além de destacar a importância do evento para o setor.
“Sem dúvida, o principal desafio é o recurso, pois trabalhamos de forma séria e ética, com profissionais inseridos em nossas equipes. Somos um equipamento de saúde e assistência social”, afirmou Lúcia. Ela também enfatizou a necessidade de uma abordagem intersetorial que enxergue as pessoas acolhidas como sujeitos de direitos. “Elas têm direito à educação, assistência social, saúde e moradia. A moradia, aliás, é um dos grandes desafios na recuperação de pessoas vulnerabilizadas socialmente.”
Outro ponto destacado pela presidente foi a solidão enfrentada por muitos acolhidos, que exige a formação de redes de apoio. “Dentro do Instituto Padre Haroldo, atuamos em quatro eixos principais: recuperação, prevenção, acolhimento e trabalho e renda. O eixo trabalho e renda tem sido um grande impulsionador da reinserção social, promovendo qualificação profissional e autonomia.”
Lúcia também refletiu sobre os desafios ideológicos que permeiam as comunidades terapêuticas no Brasil. “Somos uma comunidade terapêutica ética e profissional, guiada por princípios. Um dos grandes desafios é mostrar o que é, de fato, uma comunidade terapêutica séria e diferenciá-la de práticas que não seguem os mesmos padrões éticos e metodológicos.”
Um legado vivo
Durante a 29ª Conferência Mundial das Comunidades Terapêuticas, a trajetória do Padre Haroldo Rahm foi destacada como um marco na história das comunidades terapêuticas no Brasil. Nascido em 1919, no Texas, Estados Unidos, Padre Haroldo foi ordenado sacerdote jesuíta em 1950, dedicando sua vida ao trabalho com pessoas em situação de vulnerabilidade.
Chegou ao Brasil em 1964 e se naturalizou brasileiro em 1986. Em Campinas, iniciou diversas iniciativas sociais, incluindo a fundação do Centro Social Presidente Kennedy, voltado para capacitação profissional, e da Fazenda do Senhor Jesus, um programa de acolhimento e recuperação de pessoas com dependência de álcool e outras drogas. Segundo relatos apresentados no evento, a Fazenda do Senhor Jesus se tornou um modelo ao entender que uma Comunidade Terapêutica deve estar alicerçada Eticamente e Tecnicamente com equipe técnica capacitada e pautada por evidências científica.
Padre Haroldo também esteve à frente de movimentos voltados à juventude e à prevenção, como o treinamento de liderança cristã e o movimento Amor-Exigente, que atualmente atua em vários países, apoiando famílias e dependentes químicos.
Beto Sdoia destacou que Padre Haroldo foi um dos pioneiros a trazer ao Brasil os princípios das comunidades terapêuticas baseados em modelos internacionais. “Ele foi inspirado pelo que viu no exterior e adaptou essas ideias para atender as necessidades locais, sempre buscando equilíbrio entre técnica e cuidado humano.”
O trabalho do Padre Haroldo é lembrado por sua contribuição para o desenvolvimento de políticas e práticas que moldaram as comunidades terapêuticas no Brasil. Seu legado segue vivo por meio do Instituto Padre Haroldo, que mantém suas atividades em Campinas e serve como referência nacional.