Durante a 24ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas do Senado Federal, realizado na tarde desta segunda-feira (11), especialistas em saúde pública e psiquiatria defenderam medidas duras para enfrentar os impactos danosos da Ludopatia sobre a vida dos brasileiros. Os argumentos foram expostos durante uma audiência pública solicitada pelo vice-presidente da Comissão, senador Eduardo Girão (NOVO/CE).
Professor Associado da Universidade de São Paulo (USP) e representante do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, o Dr. Hermano Tavares observou que o debate atual sobre o tema ainda é escasso, pois tem focado somente na questão fiscal para combater a lavagem de dinheiro e equilibrar o orçamento federal. Para ele, o debate deve incluir a saúde pública, pois o vício em jogos já é a terceira dependência mais frequente no Brasil, perdendo somente para o álcool e o tabaco.
Ele também destacou que o transtorno provocado pelos jogos é uma condição grave, pois causa desemprego, endividamento, divórcio e ruptura familiar, além de promoverem o tabagismo, depressão e ansiedade. “É uma condição tratável, mas que exige uma preparação do Sistema Único de Saúde e o dinheiro do jogo deve ser usado para isso, para resolver o problema que ele causou”, sinalizou o representante da USP que também defendeu maior proteção dos jovens e adolescentes e a proibição da participação de influenciadores digitais em campanhas publicitárias da bets, além de criticar as atuais campanhas que falam em “jogos responsáveis”.
“Por favor, façam tudo para proibir a possibilidade de apostar uma vez que o evento já começou, porque há evidências científicas de que isso faz os indivíduos perderem o controle. Isso é nocivo! A responsabilidade não é só jogar a decisão nas costas do apostador, que é um cidadão e também um eleitor”, apelou o médico que se mostrou crente na força do país de encarar mais esse desafio. “Este é um país sério que quando se dedicou a missões, foi capaz de produzir respostas e se tornar exemplo internacional como foi na campanha contra a Aids, cigarro e catarata. Nós somos um país de paixões, temos paixão pelo esporte e se as coisas continuarem como estão, poderemos perder uma das nossas paixões. Então vamos marcar um gol de placa e promover uma legislação dura promover a saúde e resguardar o bem coletivo”, finalizou.
Em consonância com o professor da USP, o representante do Conselho Federal de Medicina, Dr. Salomão Rodrigues, acrescentou que a participação de influenciadores digitais e ídolos dos esporte nas peças publicitárias tornam o cidadão uma presa fácil das casas de apostas. “A restrição da liberdade econômica não é sinônimo de autoritarismo, mas regulamentar o jogo é questão de saúde. O vício em jogos não é frescura, mas uma doença classificada pela Organização Mundial de Saúde, a Ludopatia. As bets vão destruir o futebol brasileiro”, salientou.
Soluções para o Brasil
Todos os especialistas ouvidos na CPI foram unanimes na defesa de uma legislação que inclua quatro pontos-chave: Propaganda vetada em todos os meios de comunicação, advertências visíveis nos pontos de venda, limite de gasto pré-aposta compatível com a renda do apostador, e lista de autoexclusão administrada por um gestor independente, já que atualmente ela é controlada pelas próprias casas de apostas.
Por conta disso, eles também defenderam uma preparação do SUS para lidar com os casos de dependência. “Adotar uma abordagem de saúde pública exige o princípio da precaução e o uso das melhores evidencias disponíveis, como fizemos em outras áreas. Olhem para as crianças e jovens, forneça medidas de autoexclusão com órgãos independentes e estimulem jogos que não sejam predatórios”, declarou o psiquiatra Vinícius Andrade, representante da Associação Brasileira de Psiquiatria. “Se o individuo gasta mais de 4% da sua renda, ele pode sofrer com problemas aditivos. Então temos que preparar o SUS para reconhecer e tratar os impactos dos jogos sobre a saúde mental”, frisou.
Outra solução foi apontada pelo médico e membro do Conselho Municipal Antidrogas do Rio de Janeiro (COMAD), Dr. Oscar Rodolpho Cox, que defendeu a inclusão de advertências nas peças de propagandas das bets. “Nos Estados Unidos, na propaganda do jogo, existe embaixo um qr code que encaminha para um Centro de Recursos de Problemas de Jogos, com todas as opções para ajudar aquele jogador compulsivo. Então isso, eu como médico, me associo ao Dr. Hermano Tavares, que faça-se essas campanhas educativas e de orientação. O Centro de Recursos para Problemas de Jogos orientará as pessoas a serviços de atenção a uma doença que precisa ser levada com muita consideração”, pontuou.
A proposta, contudo, foi criticada pelo Senador Eduardo Girão, único parlamentar presente presencialmente no momento. Ele lembrou que esteve na cidade norte-americana de Las Vegas, onde viu que tais orientações são postas de forma muito discreta. “Eu acho que no Brasil tem que ser algo mais contundente, como foi no caso do tabaco, que é um grande exemplo por mostrar imagens fortes do que acontece com o fumante. Enquanto estamos aqui, tem pessoas se viciando e não é trabalho de rodapé que mudará isso, mas fico feliz de ver pessoas trabalhando em grupos anônimos de ajuda. É uma mão amiga, mas o ideal é que ninguém se exponha ao jogo”, declarou.
Legislações a caminho
Em entrevista ao Portal ImagineAcredite, o senador Eduardo Girão fez uma avaliação positiva dos trabalhos sobre a manipulação dos jogos e apostas esportivas, assunto que classificou como uma tragédia cuja ponta do iceberg está começando a aparecer. “O endividamento em massa dos brasileiros por conta das apostas esportivas é escandaloso e a responsabilidade é nossa como parlamentares. Nós aprovamos a lei das bets, um erro terrível, meu voto foi contra, e eu alertei a todos o que ia acontecer. Mas a gente sabe que o lobby é muito poderoso e muitos caíram no conto de que o governo precisava de dinheiro, mas o que se vai gastar com saúde e vidas perdidas não tem preço”, analisou.
Ele também afirmou que a expectativa é que até o final do ano, a CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas possa apresentar um projeto de lei capaz de dar uma resposta devida à sociedade brasileira sobre os problemas ocasionados pela questão. “A gente precisa tomar uma atitude firme com isso, porque quem ganha são os magnatas e quem perde é a massa. Por isso, acredito que até o final do ano, nós temos o dever moral de dar uma reposta à sociedade. Eu vou cobrar isso! Não podemos fechar os olhos para o que está acontecendo, estamos vendo a manipulação do futebol que é um patrimônio do povo brasileiro, que está sendo prejudicado e fazendo as pessoas pegarem ojeriza do esporte, porque ninguém sabe se o que está acontecendo é verdade ou foi combinado”, argumentou.
Além de Girão, o senador Jorge Kajuru, presidente da CPI e que abriu os trabalhos, mas que precisou sair para dar prosseguimento a assuntos relacionados a extradição do conhecido Rei do Rebaixamento, informou que em 1º de janeiro de 2025, o Governo Lula expedirá um decreto com uma série de proibições, a exemplo da aposta em número de cartões. Segundo o parlamentar, o decreto permitirá somente a aposta no resultado final do jogo.
O Portal ImagineAcredite questionou o Ministério da Fazenda sobre o assunto, mas ainda não obteve resposta. Porém, já se sabe que o Governo Federal que colocar travas para apostadores compulsivos em bets e jogos, como o do tigrinho, já a partir de 2025.
Bets na mira do STF
Cabe destacar que além do Senado Federal, o Supremo Tribunal Federal (STF) também está analisando o assunto. A Corte deve julgar constitucionalidade da Lei das Bets no primeiro semestre de 2025, como afirmou nesta segunda-feira, 11, o ministro Luiz Fux, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7721, que discute os impactos das apostas online (bets) no Brasil.
“Os problemas que foram aqui aventados, relativos às comunidades carentes, aos problemas mentais e aos outros graves problemas que foram destacados, leva-nos à ideia de que este julgamento tem que ser urgente”, afirmou o ministro.