Por conta da pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), o Brasil assistiu muitos gestos de solidariedade, como também assistiu muitas vidas serem ceifadas e o quantitativo de casos de violência doméstica subirem assustadoramente. Algumas publicações acusam a estada das famílias em isolamento domiciliar como o principal fator. Mas como evitar ou conter essa situação que se estende pelo Brasil de geração a geração?
Para a ativista, defensora dos direitos humanos, advogada especializada em Direito das Mulheres e presidente de diversos órgãos vinculados à proteção da vida no Distrito Federal, Dra. Lúcia Bessa, o problema da violência doméstica é resultado de uma falha histórica cometida pelo Estado Brasileiro, que até 1916, por exemplo, as mulheres eram vistas como parte da família, porém sempre submissa a figura masculina e a sua autoridade como homem e marido. O homem era o chefe da sociedade conjugal, limitando os atos da mulher
O Código Civil de 1916 retratava a sociedade da época, totalmente conservadora e patriarcal. A mulher era identificada como parte da família, mas sempre submissa à imagem do homem e à sua autoridade. Além disso, era permitido a esposa adquirir o nome do marido, mas nunca o contrário.
E foi justamente a permissão de atos como esses que, segundo ela, contribuíram para o fortalecimento de uma cultura machista, em que os homens se comportam como os verdadeiros proprietários do corpo das mulheres, o que culminam com casos de violência física, verbal e sexual, dentre outras violências, que para muitos são considerados dentro da normalidade. “Então quer dizer que há muito pouco tempo nós éramos completamente a mercê daqueles que se achavam nossos donos”, observa.
Diante disso, em entrevista a ImagineAcredite, ela defendeu a educação como o principal pilar para modificar o status quo do brasileiro, de modo que o faça entender que é melhor viver em paz do que em meio a violência. “Temos que ter dentro da grade obrigatória dos colégios o estudo sobre a violência contra a mulher, além de aulas de ética e respeito. Nós precisamos fazer os nossos jovens entenderem que há outras formas de dirimir uma contenda que não seja pela violência. Eles precisam entender que não é normal bater e que não é natural apanhar, e isso tem que ser discutido nas escolas, porque uma educação que não modifica valores e conserva o status quo não serve para mim e nem para você”, argumenta.
Além de uma “educação transformadora”, Lúcia Bessa disse também que é necessário que se faça grandes campanhas de conscientização voltadas não somente a mulher – incentivando-as a denunciar -, mas também ao homem, que é parte fundamental em todo o processo. “Homem faz parte do problema. Por isso, ele tem que fazer parte da solução desse problema, tem que ser chamado para dentro do problema, tem que ser chamado para a responsabilização do problema. Ele tem que entender que quando agride uma mulher, ele tem que ser constrangido por isso, se não ele vai contar isso no bar com alegria: Hoje, eu dei um tapa na dona encrenca pra aprender como tratar um homem, e ele vai dizendo como se isso fosse normal, como se isso fosse natural”, defende.
Para ela, tais medidas são fundamentais, pois o que as mulheres querem apenas “é viver, mas o que nós exigimos é viver livres de toda violência, de toda a opressão, de toda a lesbofobia, de toda a transfobia, de todo o racismo”. Por isso, ela aproveitou a entrevista para mandar um recado para todos os homens: “O que nós queremos de você é que você caminhe ao nosso lado, seja nosso companheiro nessa luta, que nós construamos juntos uma sociedade pacífica e pacificadora”.
Por Sérgio Botêlho Júnior