Nesta terça-feira, 16, o padre ítalo-brasileiro Renato Chiera completa 42 anos de seu desembarque no Brasil e, consequentemente, de sua dedicação ao resgate e promoção de vidas de crianças e adolescentes nos estados do Rio de Janeiro, Alagoas, Ceará e Paraíba. É uma dedicação representada fisicamente pela Casa do Menor São Miguel Arcanjo, obra que fundou – há 33 anos – após ouvir o grito de um jovem que temia por sua vida quando ainda exercia a função de padre na paróquia de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
“Nos matam todos se você não fizer nada!”, esse grito entrou no meu coração, e entendi que era o grito de Jesus: ‘Aquilo que tu fazes ao menor faz a mim’. Ai aquela noite em que um garoto me pediu ajuda, porque já tinham matado 36 jovens em Miguel Couto e ele era o próximo a ser assassinato, foi como se Jesus tivesse me falado: “Renato, você prega que Deus ama, mas tem medo de se comprometer com eles”, foi aí que dei meu sim e como homem, padre e cristão, entrou a Casa do Menor em minha vida”, recorda o sacerdote.
Com a fundação da Casa do Menor no Brasil, o padre passou a enfrentar a marginalidade para dar perspectivas de futuro aos jovens que seriam utilizados e logo descartados pelo crime organizado que há muito domina as periferias do Rio de Janeiro. Um grande desafio, como ele mesmo classifica. “Os desafios são enormes, recebemos ameaças e se você se coloca com os últimos, você é excluído também nos julgamentos. Eu já tive ameaça de morte várias vezes, já tive que fugir de casa várias vezes, mas isso vale a pena porque eu sigo um Deus que morreu e eu ainda não morri. Quem sabe um dia? Acho que não mereço isso”, comenta.
Para além dos perigos inerentes a sua própria vida, Renato afirma que tocar a Casa do Menor São Miguel Arcanjo no Brasil também demanda de recursos. Estima-se que mensalmente, a instituição – que não possui fins lucrativos – gaste em torno de R$ 700 mil para manter cerca de 3.000 crianças e adolescentes usufruindo de creches, cursos profissionalizantes e educação cidadã, nos estados do Rio de Janeiro, Alagoas, Ceará e Paraíba. “Quando chega ao final do mês à gente tem o coração na mão: “Vamos ou não vamos conseguir?”. Mas a providência nunca nos abandonou. Algumas vezes a gente dúvida dela, mas Deus que suscitou esta obra não vai abandoná-la”, destaca.
No entanto, o maior desafio da obra está no presente e também no futuro e está relacionado à questão de pessoal. “Como ter pessoas vocacionadas que tenham a alma e o amor de Deus, que faça o que ele quer, que ame e que seja missionário e não apenas funcionários? Nós temos o grupo Família Vida e somos poucos demais para tantos jovens e tantas vidas”, observa com bastante preocupação. Uma vez que, para ele, a Casa do Menor atua como uma fábrica de seres humanos, restaurando e promovendo vidas. “É como continuar a história da salvação”, completa Chiera.
Diante de todos os desafios cotidianamente enfrentados, o padre fundador da Casa do Menor comemora o fato de que, em mais de três décadas de existência, a obra tenha conseguido salvar mais de 100 mil jovens e ter garantido o emprego no mercado de trabalho a pelo menos 70 mil deles. “Portanto, enquanto alguém quer matar, nós querermos ajudar e estamos mostrando que o nosso caminho está certo e que é por aí que se resolve a violência”, salienta.
Além disso, sua trajetória mostra que ele sempre se dedicou aos menos favorecidos de dinheiro e, principalmente, de amor e de atenção. Foi por isso que ele ganhou o apelido de Padre das Ruas e de Padre das Cracolândias, os quais tem a maior alegria de ter recebido. “Estou contente em ser chamado assim, porque Jesus foi Deus na rua, evangelizador na rua, foi um homem Deus de rua que estava pouco no templo, porque é na rua que estão os sofrimentos e as feridas, então tem que ser samaritano. Padre das cracolândias, porque a cracolândia é o inferno que é o resultado de uma sociedade que não ama mais, que exclui, que joga fora muitas pessoas vistas como descartáveis, e que está profundamente doente. Então a cracolândia é o rosto de Jesus na cruz que grita o abandono, e cracolândia sendo o inferno, nós devemos entrar nele como fez Jesus para levar ressuscitado a esperança, simplesmente, amando”, acrescenta.
E é junto a Casa do Menor que ele atua como o pai dos filhos de ninguém, de onde também lamenta os índices de homicídios cometidos contra os jovens das periferias. Para ele, as mortes representam um aborto comunitário que não pode ser combatido com a violência. “Analiso que a violência é o grito de quem não está bem e não se sente amado por ninguém, nem por Deus! Portanto, se não sabe se amar e nem amar, vai querer destruir. Esse é o grito de quem não é filho e de quem não tem perspectivas futuras. Agora é aí que nós – sociedade e governo – devemos nos debruçar sem ideologia. A ideologia divide! Vamos ver o ser humano na sua realidade concreta, pois ele não é de direita, de esquerda, de centro, católico, evangélico ou espírita, o ser humano é ser humano e os jovens estão gritando que não estão bem, que nós estamos eliminando-os já quando nasceram. Pois já não têm útero, então que os continuem ajudando com a escola, com a família e com a sociedade”, orienta.
E conclui: “Tudo isso tem solução! A violência não se resolve com a violência. Agora nós somos tão desesperados e tão perdidos que nós, adultos, aceitamos como normal que se matem os nossos filhos; aceitamos que eles sejam uma ameaça, um perigo e não mais um presente. O que está acontecendo com o Brasil? Brasil, mostra a tua cara! O nosso trabalho é uma resposta à violência, mas não uma resposta com a violência, não autorizando a ter arma, não matando, não botando na cadeia que custa caríssimo e fabrica mais bandidos, mas dando família, dando Deus, dando amor, dando escola, dando profissão, dando futuro. Por que não nos debruçamos sobre isto juntos? Por que só pensamos projetos de lei para matar, para jogar na cadeia e não para salvar? Vamos pensar nisso!”.
Por Sérgio Botêlho Júnior